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Servilho Paiva: "A descontinuidade é o maior mal do serviço público"
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Servilho Paiva: "A descontinuidade é o maior mal do serviço público"

Ex-secretário critica abandono de políticas de segurança que se mostraram exitosas pela SSPDS e sinaliza que a causa do aumento dos homicídios vai além da guerra entre facções
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Ex-secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), Servilho Paiva se define como alguém de perfil técnico e se envaidece de nunca ter se filiado a partidos. Um dos responsáveis pela implantação do programa Em Defesa da Vida, é avesso a questões político-eleitorais e não comentava publicamente os índices de violência do Estado desde quando deixou a pasta, em 2014.

[SAIBAMAIS]

Entretanto, diante de cenário em que os homicídios batem recordes consecutivos, o atual controlador-geral de Disciplina da Paraíba concedeu entrevista ao O POVO. Sob condição de não responder perguntas de “conotação política”, criticou o fim do Ronda do Quarteirão e lamentou a pouca atuação da Controladoria Geral de Disciplina (CGD), da qual também foi titular.


Evitou análises sobre a atual gestão SSPDS que pudessem ser vistas como reprovação ao secretário André Costa. Declarou, porém, que nesse ambiente não há mais lugar para “mocinho e bandido” ou para os que “tentam inovar sem conhecer”.


Contou que teve “carta branca” do então governador Cid Gomes até o último momento e que não pretendia nem recebeu convite para permanecer. Destacou que enfrentou um período mais crítico que o atual e sentenciou: “A descontinuidade é o maior mal do serviço público”.


O POVO - O senhor acompanha a execução das políticas de segurança no Ceará?


SERVILHO PAIVA - Deixei muitos amigos aí que, vez por outra, mandam notícias. Mas, eu perguntar, não. Acompanho como cidadão que é cearense e quer ver a coisa dar certo. Mas se tem notícias.

 

OP - E a execução do programa Em Defesa da Vida?


SERVILHO - No Ceará, pelo que estou sabendo, objeto de matéria nacional, se perdeu o ganho. Nos últimos dez anos, até 2014, tinha um acréscimo permanente de 15% nos homicídios. Em 2014, houve zero de crescimento. Estabilizamos em um ano crítico, de Copa do Mundo, eleições das mais acirradas, a questão interna bastante politizada. Mas, ainda assim, conseguimos integrar as forças e zerar. Eu poderia dizer que houve redução de 15%, porque deixou de crescer 15%. Quem me sucedeu (Delci Teixeira) manteve a mesma lógica, manteve o barco no mesmo rumo e continuou caindo. Depois disso, sinceramente, não sei como aconteceu. Em todo lugar que vi dar certo, nada aconteceu em menos de cinco ou sete anos. Tem que se fazer arranjos, perseguir e corrigir esses arranjos. Esse é um dos elementos fundamentais. Por curiosidade, a Paraíba vem derrubando seus índices desde 2011 de maneira segura e permanente. O que foi aplicado lá também foi em Pernambuco e no Ceará.

 

OP - Estudiosos dizem que o programa, bem como o Ceará Pacífico, está desvirtuado. Concorda?


SERVILHO - Essa visão é curta. Acho que é um complemento. Esse plano tem o princípio da territorialidade integrada. Você tem uma área para cobrir e gerenciar. Sobre ela, você é responsável. Eu oriento, forneço dados, elementos e cobro você sobre para que você reduza esses elevados índices de criminalidade. E, se for o caso, se premia e reconhece o trabalho. Para isso, são necessários três elementos. A formação, porque se o cara não entender, não vai cumprir. A disciplina, porque não basta ter uma boa formação. E no Ceará foi pensada a Controladoria Geral de Disciplina (CGD), para eliminar o corporativismo ao máximo. Você prestigia os bons e elimina os maus. E, por fim, a gestão. Você precisa planejar alguma coisa. Tudo se faz com gestão por resultados. A Polícia só faz uma parte. A outra é com o Ministério Público, Judiciário, Legislativo, sistema penitenciário...

 

OP - Algum desses atores tem maior responsabilidade pelos maus resultados?


SERVILHO - Não vejo um culpado. Nem é o caso de se apontar culpado. Eu já disse: não quero falar de política. Sou técnico. Não tenho filiação partidária e nunca tive. Não que eu não respeite a política ou não reconheça que tudo passa pela política. Falo de boas práticas políticas, não de politização ou politicagem. Dito isso, o elemento mais danoso é a politicagem. O uso inadequado ou indevido da questão da segurança. De algo que está dando certo ou que começou a dar certo. Você não tem uma continuidade de práticas. Não evolui porque não está agindo com a gestão adequada de reconhecer quais foram suas fortalezas e conceber as fraquezas e tentar corrigi-las. Tentar se aproveitar dos resultados como se aquilo fosse próprio de um governo. Nada se resolve no período de uma gestão. Em um governo se forja os alicerces, no outro levanta as paredes, no outro coloca o telhado e assim sucessivamente. Mas, a maneira como fizeram teve continuidade? Quando a gente saiu daí, tinha uma primeira parte, um caminho com passo dado. Mas é preciso trabalhar a questão externa. Ela foge ao controle do secretário. Essa questão envolve diretamente o governador. É entre os poderes. Esse negócio de fazer marketing com o que tá ganhando é bom demais. Quero ver fazer marketing com o que está perdendo. E quando se diz que um só ator resolve o problema, se comete um gravíssimo erro.

 

OP - Os programas adotaram o viés da ostensividade. No Ceará, Raio nos municípios populosos, como foi com o Ronda, além de uma nova Força Tática. Em Pernambuco, lançamento do Bope...


SERVILHO - O policiamento ostensivo tem várias formas de ser aplicado nos terrenos. Alguns necessitam da cavalaria, outros das motos, outros do policiamento a pé. O Raio é importante? É. Principalmente nas grandes capitais, em determinados horários. É um instrumento efetivo. Mas ele sozinho vai resolver a questão na comunidade A ou B? Não vai. É isso que estou querendo frisar. O Bope é uma ampliação da Cioe (Companhia Independente de Operações Especiais). Um grupo pequeno e bem treinado, e isso se amplia. E quando se amplia demais, perde qualidade. A seleção fica mais frágil e vulnerável. O Ronda do Quarteirão! O Ronda tem acertos. Será que ninguém viu que o Ronda tem acertos? Ele é definido na territorialidade e proximidade com a população. Mas quais foram os erros? Tem estudos sobre os equívocos cometidos e se eles foram corrigidos ou não? É por isso que eu falo em continuidade. A proximidade serve perfeitamente à prevenção. Você se faz conhecer, há uma empatia, troca de informações e isso serve perfeitamente à prevenção.

 

OP - Foi um equívoco transformar o Ronda em Policiamento Ostensivo Geral (POG) comum?


SERVILHO - Não dessa forma. O POG não faz a mesma coisa do Ronda? Agora, o Ronda era mais qualificado e direcionado. As áreas eram menores. Aquele que milita naquele território deve permanecer o máximo de tempo possível. Interagir com a comunidade, ganhar confiança, receber informações e combater antes que aconteça. Se o Ronda tem um conceito mais de proximidade, é outra coisa. Mas não muda nada no frigir dos ovos. Você tem um território onde vai gerar conhecimento e empatia no policiamento. O Ronda somente tinha características mais específicas: eles evitavam o confronto, eram mais de visitar etc. Mas isso é ajuste, ajuste fino.

 

OP - Então foi um erro de gestão?


SERVILHO - Acho que respondi (risos). Existe uma coisa chamada “falso”, que é dizer que uma equipe especial resolve a questão. Mas o que resolve é ação gerencial específica, que envolve atores da Segurança, Judiciário, MP etc. Um conjunto de ações. O que estou querendo dizer, sobre a descontinuidade, é você entender o programa. Você amanhã vai assumir a Secretaria da Segurança? Você conhece o programa que estava ocorrendo? Então procure entender para aproveitar, se for o caso, o que for bom e corrigir o que não tiver dado certo, colocando as coisas em cima da mesa. Não fazer marketing. Pernambuco perdeu muito porque foram fazer marketing com a segurança. “A gente agora tá bem”, e a coisa degringolando na sombra. Essas curvas de criminalidade não variam da noite para o dia. Isso requer continuidade, perseverança, correção de erros, de rumo, integração reconhecimento da parte dos atores externos, investimento, reconhecimento dos policiais que fizeram acontecer, com salário, com premiação, promoção, tem que acontecer! E tem que ter reciclagem, na academia sempre. A descontinuidade é de fundo! Não é superficial.

 

OP - O senhor defende a responsabilidade compartilhada. Temos hoje uma centralização na figura do secretário, que dispõe até de contato direto de WhatsApp...


SERVILHO - Essa será uma pergunta com uma forte conotação política (risos). Mas, sendo objetivo, por tudo que eu lhe disse, essa pergunta está respondida, a meu ver. Responsabilidade territorial é fundamental e indispensável. Você tem níveis de responsabilidade que são hierárquicos internos para resolver, coordenar, pensar estrategicamente, etc. Acho que está implícita ou explícita a resposta.

 

OP - Como isso afeta a tropa? Funciona como incentivo?


SERVILHO - Ainda bem que no começo eu falei que não é a ideia de uma pessoa que vai fazer a diferença ou tenha feito a diferença. Não existe mais mocinho e bandido, nem varinha mágica. Ou se trabalha de maneira coletiva ou a gente vai chegar à mesma consequência: é vidraça, é vidro é estrela, é buraco negro. Isso não é correto. Graças a Deus, tive a oportunidade de trabalhar com governadores que me deram a liberdade de agir tecnicamente. Isso eu tenho em mente. Sempre agi como equipe. Eu me acho um bom formador de equipe. Isso é um trabalho coletivo e ultrapassa as barreiras da própria instituição. E eu pensar que resolvo sozinho? Por favor. A pergunta eu pulo. Se você não tem continuidade, usa e descarta as ideias como quem troca de camisa, trazendo uma suposta nova ideia, não existe. Você está enganando a si e aos outros.

 

OP - Na sua época, como se identificava o movimento das facções? Havia projeção de essa guerra estourar, ou dos pactos?


SERVILHO - Isso sempre foi tratado de uma maneira bastante firme, através da inteligência, se antecipando a problemas que pudessem advir desse time aí. Teve muito foco de inteligência sobre esses atores. Agora, sobre alianças e guerra, nesses pontos de clareza específica, não. Havia uma questão de territorialidade deles também. Dividiam territórios e qualquer tentativa de avanço de um sobre o outro abria uma fissura e uma guerra. E se resolve isso em três, quatro anos? É por isso que falo: a descontinuidade é o maior mal do serviço público. E não é só de pessoas. É de propostas, programas. Demanda estudo específico, amadurecimento, que já temos. Agora, não sei se as ações estão acontecendo da forma que se necessita. É um passo.

 

OP - E os outros?


SERVILHO - Educação, saúde, emprego. As audiências de custódia. Por que não podemos evoluir para juízo 24 horas? Quando a Polícia precisa de mandando de busca e prisão imediatamente. Isso poderia ser fornecido pelo juízo 24 horas. Em vez de uma mera audiência para atestar se a prisão foi legal ou ilegal, iniciar uma instrução, trazendo celeridade. A gente não pode trabalhar com demagogia, com momento político e estrelismo. Essas coisas estão acontecendo por isso. Você faz um bom trabalho, o outro faz um mau trabalho. Um é queridinho, o outro não é queridinho. Eu tenho que fazer isso porque envolve política. E cadê a questão de fundo?

 

OP - Se o senhor estivesse hoje à frente da SSPDS, atuando com carta branca, qual cenário imaginaria para o Ceará? O que faria?


SERVILHO - Se! Se! Se! (risos) Mas aí seria futurologia. Não trabalho com isso. Faria exatamente o que já disse: territorialidade. E buscar apoio da Prefeitura: troque a lâmpada que está queimada, pavimente. Buscar todo mundo. Se não fizer, você terá espasmos. Espasmos de resultados positivos. Os negativos são permanentes. É como eu disse: em dez anos, aumentava 15%. Aí você tem um espasmo: 2014, 2015 e 2016. E aí desmorona tudo outra vez

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OP - Enquanto controlador, e depois secretário, a CGD era considerada mais atuante e até “perseguidora”. Com a sua saída, as expulsões caíram 98%. A que o senhor atribui essa queda?

 

SERVILHO - (Risos) Bom, a uma melhora na disciplina, só pode. Porque, se caiu assim, as pessoas ficaram mais disciplinadas. Não precisou da ação da CGD.

 

OP - Mas, os inquéritos continuaram na mesma média, as punições é que caíram.


SERVILHO - O que a gente sempre buscou à frente da CGD foi celeridade e foco no que era mais grave. Se você pesquisar, vai ver que não é autodefesa, mas justiça, que classificar o corregedor da época de perseguidor, e quando você olha as exclusões que houve, fundamentalmente, foram por corrupção, por homicídio e desvio de conduta grave. Como alguém pode adjetivar a equipe responsável pela disciplina de perseguidora. Acho que aí há um equívoco e um corporativismo exacerbado a ponto de se negarem, enquanto entidade de classe, que deveria patrocinar a visibilidade dos bons policiais, que foram reconhecidos e premiados etc. Tem que dar celeridade aos casos graves. Tem muitos casos que um puxão de orelha, uma repreensão resolve. Então, objetivamente, pelos seus 98%, a turma deve ter aprendido alguma coisa (risos).

 

OP - Parece que o senhor ainda tinha como contribuir. Pretende voltar? Saiu por quê?

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SERVILHO - Não! (Risos). Saí porque tinha um compromisso com um governo. O convite foi feito por um governador até o fim daquele governo. E nem tive convite, para falar a verdade, do governo atual. Nem pensava e nem tive. Fiz meu trabalho no período que achei que era o nosso acordo. Até porque o nosso acordo, dito por ele (Cid Gomes), foi: “Tu tens carta branca e eu vou te cobrar resultados”. E realmente essa carta permaneceu intacta até o dia em que eu saí. Então, a gente fez o que podia de melhor, dentro das circunstâncias supercríticas. É trabalho de gestor. E não me vejo apegado a nada. O erro é que as pessoas discutem muito consequência e ficam rodando atrás do rabo como um cachorro. Para saber da consequência, tem que se enxergar as questões de fundo. Se não o fizer, a tendência é se perder. Vencem por um tempo, através de marketing pessoal, coletivo, e a população cada vez pior, de mais a mais.

 

OP - O cenário que o senhor enfrentou era pior que o atual?


SERVILHO - Acho difícil comparar uma conjuntura específica, com Copa do Mundo etc. E não deixava de existir o crime organizado. Ou você acha que nasceu de ontem para hoje? Não. Talvez esse componente das facções hoje tenha se revelado mais forte. Mas, em Messejana, Sapiranga, Barroso, Pirambu, Barra do Ceará... Essa coisa de guerra de facção sempre teve. Era constante. Confrontos em rua, escolas invadidas. Não dá para dizer que é porque hoje tem o crime organizado, PCC... Já havia. Pode ser que tenha se agravado. Mas já existia, com os outros componentes. Os salves já existiam. Acredito que era pior.

 

OP - O desafio aqui no Ceará foi maior que em Pernambuco?


SERVILHO - Muito maior, por vários motivos. Passei 30 anos fora. Retornei e assumi a Segurança Pública em situação crítica. Dei o meu melhor com a equipe que montei. Fico rindo quando olho para aquelas charges que vocês fizeram quando cheguei, me colocando com um abacaxi do tamanho do mundo nas mãos (risos). Mas tenho o prazer de dizer que, quando entreguei para o Delci, tinha pelo menos uma parte descascada. E ele foi inteligentíssimo. Foi um cara que ouviu. Poderia ser simpático às políticas, como outros querem. Mas ele ouviu. Trouxe o (coronel Lauro) Prado para o lado dele, que já conhecia a história, continuou com o (delegado) Andrade Júnior e continuou a política. E o que foi que aconteceu? A curva caiu. O que normalmente acontece quando se tem continuidade nos programas. Quando você quer inovar sem conhecer...

 

Perfil

 

Servilho Paiva, 58, é cearense, natural de Fortaleza. Formado em Direito na Universidade Federal de Pernambuco, é pós-graduado em Direito e em Gestão de Políticas de Segurança Pública. Delegado da Polícia Federal de classe especial, foi secretário da Segurança de Pernambuco no período entre 2007 e 2010. Em 2011, tornou-se o primeiro controlador-geral de Disciplina (CGD) do Ceará. Em setembro de 2013, substituiu o coronel Francisco Bezerra como titular da SSPDS, onde permaneceu até o fim do segundo mandato de Cid Gomes (PDT), em dezembro de 2014. Já em abril de 2015, retornou a Pernambuco, dessa vez como corregedor-geral. Desde abril deste ano, é corregedor-geral na Paraíba.


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