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Entrevista na íntegra com Danilo Caymmi
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Entrevista na íntegra com Danilo Caymmi

Herdeiro de uma tradição artística de valor inestimável, Danilo Caymmi conta como se tornou um nome forte na música brasileira e de que formas essa história continua nas novas gerações da sua família
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Tipo Notícia

Tudo em Danilo Caymmi é familiar. O tom de voz grave, o sobrenome pomposo, o bigode mantido há décadas, as roupas simples, os personagens que ele cita. Conversar com ele passa a impressão de um bate-papo com um velho amigo. Ele mesmo faz questão disso, de conversar sem pressa e sem afetação. Nem parece que se está na frente de um compositor valoroso, filho de uma família de artistas imprescindível para a história brasileira.

Em Fortaleza para divulgar seu mais recente disco, uma homenagem ao maestro Tom Jobim, o filho mais novo do seu Dorival conversou com O POVO por mais de uma hora. E conversaria mais, se pudesse. Bastidores dos festivais de música, gravações históricas, Carmen Miranda, Evinha, Elis Regina, cenas e personagens que estão registrados em muitos livros que contam a história da MPB. Danilo Caymmi viu isso tudo de perto e conta um pouco a seguir.

O POVO – Você é um Caymmi, sobrenome que é uma marca registrada no Brasil. Que peso esse sobrenome tem sobre você?

Danilo – Agora ele é mais a responsabilidade de manter a memória, a importância de manter do Dorival Caymmi dentro de um contexto nacional, assim como Tom Jobim também. Acho que a memória tem que ser sempre pontuada. Há uma tendência ao esquecimento muito grande desses grandes ícones da nossa música. A importância cultural da Carmen Miranda também, né? Você imagina pela biografia lá do Ruy Castro, ela teve uma importância dentro do show business americano, até financeira. Chegar a ter o mesmo dinheiro que o Goldwyn (Metro-Goldwyn-Meyer) é importante. Assim como ao Tom também foi oferecido esse upgrade, por que eles limitam muito o mercado americano ao artista estrangeiro. Eu acho que o Tom furou essa barreira e a Carmen Miranda também.

O POVO – Não são artistas brasileiros que fizeram sucesso no exterior. Esses são artistas internacionais.

Danilo – Tem um lado, você vai até determinado limite. Mas, passando disso, você entrar no show business deles mesmo, é preciso ser muito bom ou ter um motivo muito forte, como teve a Carmen Miranda. Por que ela teve uma qualidade muito grande e a música do Tom também.

O POVO – Hoje a família Caymmi é dona da obra do Dorival?

Danilo – Nós somos sócios de uma firma. Os herdeiros cederam os direitos a uma firma nossa também chamada Rosa Morena Edições Musicais, que representa parte do repertório do Dorival Caymmi. Então a gente tem o cuidado sempre com essas autorizações, que ficam com a gente. Não é a política de embargar a circulação de cultura. A gente sempre facilita. Algumas famílias impedem, ou têm uma ideia errônea de que disco vende uma fortuna. Isso é ruim para a cultura. Mas está até previsto uma coisa sobre os herdeiros na nova lei do direito autoral. Mas, no caso da nossa política, é uma política de circulação de ideias. O que puder facilitar, logicamente, para pessoas com boa fé e bons projetos.

O POVO – Particularmente, só conheço você, Nana e Dori. Só são esses três irmãos mesmo, não é isso?

Danilo – Sim, somos três. Espero, né? (risos)

O POVO – Seu pai foi um incentivador para que os filhos fossem músicos ou nem tanto?

Danilo – Papai até que sim, a mamãe não. A mamãe queria dançar uma valsa comigo e eu fiz Arquitetura. Sou quase formado. Quando eu comecei a estudar era 1967 e eram anos já politicamente conturbados. Mas, com o sucesso de Andança, em 1968, eu tive que largar. E também foi o ano do AI-5, que dividiu muito as pessoas. Eu tive muitos amigos que sofreram muitas perseguições. Então eu saí da faculdade. E mudou o esquema do que era, virou sistema de crédito, que era uma maneira de desunir as turmas. Foram anos muito difíceis, mas tem o lado bom que teve Andança – uma parceria com Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, também arquiteto – e o Casaco Marrom, no mesmo ano, com Renato Correia e o Guarabyra.

O POVO – Mas o Casaco Marrom não foi de festival?

Danilo – Foi sucesso com a Evinha, mas foi defendida no Festival de Juiz de Fora com a Cynara (Quarteto em Cy). E eu brinco muito que, no dia que o Roberto Carlos cantar essa canção eu estou rico. Por que ele detesta marrom (risos).

O POVO – É curioso o número de compositores que cursaram arquitetura, como o Fausto, o Fagner...

Danilo – Tom Jobim, Billy Blanco, Edmundo Souto, Paulinho Tapajós... Eu acho que a questão da forma... Eu acabei usando muito conceitos da arquitetura ou da casa mínima, por que eu gosto muito do minimalismo. Esse disco (Danilo Caymmi canta Tom Jobim), por exemplo, tem muito de minimalista. Eu acabei usando esse conceito da redução em músicas como Riacho Doce, O Bem e o Mal, O que é o amor... São canções com letras curtas e muito densas, com muito conteúdo. Muito comprimidas, né?

O POVO – Muito se fala e falou sobre seu pai. Como você me apresentaria ou definiria sua mãe?

Danilo – Eu apresento através desse disco aí. A mamãe era uma grande cantora e toda essa parte de interpretação, dessa densidade, tanto da Nana, do Dori e da minha, vem da minha mãe. Eu gravei “Por causa de você” muito em função de ouvir ela cantar. Eu acredito que ela deve ter influenciado até meu pai também. Era uma cantora tão importante que ele viu e ficou fascinado. No tempo, a Carmen Miranda tinha um horário na Rádio Nacional, um horário nobre, e ela cedeu para uma jovem, que no caso era minha mãe, uns 15 minutos para ela cantar. Eles se conheceram com ela gravando num programa de calouros o “Último desejo”, de Noel Rosa. Ele ficou fascinado e começou a procurá-la. Depois casaram e ficaram esse tempão aí.

O POVO – E você disse que ela não incentivava muito os filhos músicos...

Danilo – Por que ela queria dançar a valsa comigo. Quando eu não me formei, foi uma decepção. É uma coisa por que... É a inconstância que existe nessa profissão, de você se manter. Ou mesmo de uma pessoa que faz um sucesso estrondoso e, depois, não sabe conviver com a queda. Na verdade, o difícil nessa profissão é você se manter. O grande problema é, às vezes, convencer as pessoas que (ser músicos) é uma profissão, é normal. Acho até que o glamour não deve ser incentivado, mas é muito usado também. Por isso é muito difícil pra uma pessoa que não tem o embasamento cultural, que tem um estatus, e de repente isso tudo cai, o dinheiro some e a pessoa tem um problema de saúde mental grave.

O POVO – E era disso que sua mãe tinha medo...

Danilo – Era e é normal. Ela era uma grande administradora. Às vezes o papai ganhava um cheque, do tempo que televisão pagava, deixava na gaveta, e a mamãe dizia: “o Caymmi está deixando esse cheque na gaveta pegando axé a mais de um mês”. Pô, o piano do Tom... Eu trabalhei com o Tom, acho que desde 1983 até ele falecer. Era tudo em cima do piano, uns remédios antigos, como cera do Dr. Lustosa, Minâncora. Quando chegava a televisão, tinha que limpar tudo. Uma vez a Ana (Lontra, esposa do Tom Jobim) fez um garimpo e tinha mais de 8 mil dólares em cheque dando bobeira em envelopes.

O POVO – Sua estreia como músico profissional foi num disco que reunia Caymmi e Tom Jobim, dois nomes já consagrados da música, mas com quem você convivia dentro de casa. O que prevaleceu naquela gravação? O nervosismo, a naturalidade, o profissionalismo?

Danilo – Começou o processo com o Tom indo lá pra casa. A gente morava no 1227 da (avenida) Nossa Senhora de Copacabana e era muita cerveja. Mamãe tomava pra caramba e ganhava dele na cerveja. No final do ensaio, estava todo mundo doidão. Eu lembro uma vez que ele desceu pra abrir um Fusca e abriu um outro carro que não era o dele. Bom, e eu vi os ensaios e tive contato com a música do Tom. Mas eu estava mais preocupado com a prova de química. Eu devia ter uns 16 anos. Então eu estava mais preocupado com isso do que com a música, mas foi impactante pra caramba.

O POVO – O que você lembra dessa gravação?

Danilo – O bonito era ver, nessa época, a amizade deles. E quem era mais ou menos o assistente de estúdio deles era o André Midani. O Aloysio de Oliveira era o produtor, era um disco da Elenco. Hoje, esse disco é um ícone, um disco maravilhoso. E esse disco tem um contracanto que é inesquecível, que é do Saudades da Bahia, que o Tom fez. O Tom sempre teve uma admiração grande pelo papai. A Nana (Caymmi) cantando ali pela primeira vez, a primeira gravação de Inútil Paisagem. A capa é assim. O Aloysio pediu pra sair uma matéria no jornal e fotografou. Aí ficou esse encontro. E estava todo mundo mais ou menos começando. Por que eu tenho uma diferença de cinco anos pro Dori e sete pra Nana.

O POVO – O nome Caymmi é sinônimo de Bahia, mas você e seus irmãos são cariocas. Você teve ou tem alguma vivência mais próxima com a Bahia, além do pai?

Danilo – Não, tenho vida de carioca. Na Bahia a gente tem muito pouco contato, muito poucos parentes. Papai foi muito cedo para o Rio, né? Não é à toa que tem aquela estátua dele ali no posto 6 (em Ipanema). Viveu em Copacabana esse glamour todo nos anos 1950. Não só ele, mas amigos como Antonio Maria, Augusto Rodrigues, Fernando Lobo. Era muito normal isso da pessoa pegar o Ita (navio de cargas e passageiros). Papai foi para o Rio com o violão embrulhado num jornal, diga-se de passagem, em formato retangular. Por que violão dava cadeia. Acho que dá até hoje (risos).

O POVO – De filho do Dorival, a músico que já começa num disco consagrado a compositor, como foi esse percurso? Foi algo rápido? Natural?

Danilo – Logo de cara, foi um grande sucesso que foi Andança. Já é uma coisa que disse a que veio. Embora uma vez um jornalista tenha me perguntado: “que horas o seu pai fez essa música?”! Tem que responder essas perguntas... Mas foi natural por que o Andança concorreu (no Festival Internacional da Canção Popular, em 1968) com Sabiá (Tom Jobim/Chico Buarque) e Para Não Dizer que não falei das flores (Geraldo Vandré). Eu, como estava na faculdade, era mais ou menos reduzido a vaiar minha própria música. Por que era pra apoiar a música do Vandré, entendeu? Por isso que o Tom levou aquela vaia enorme, embora o Sabiá seja uma música política. Andança não, era pueril perto disso. Não tem nenhuma conotação política. A gente teve uma oportunidade no meio do festival. Teve uma hora que a gente foi a primeiro lugar. Depois é que voltou. Quando Vandré entrou em segundo, qualquer pessoa que entrasse iria sofrer uma vaia muito grande. Os estudantes todos, os movimentos estudantis estavam para apoiar o Vandré. Pouca gente sabe, mas, quando saiu o AI-5, o Vandré estava se dirigindo para Brasília onde iria fazer um show. Ele estava com o Nelson Ângelo, Naná Vasconcelos e, se não me engano, o Geraldo Azevedo. Alguém ligou o rádio. Já estava entrando na boca do lobo, iam todos presos. Aí ele voltou dali mesmo.

O POVO – Eles escaparam por pouco.

Danilo – Essas coisas aconteciam. Eu fico impressionado como os caras tinham tecnologia pra rastrear. Por o cara não podia falar em bar, não podia falar nada. Hoje, com a internet, deve ser muito mais fácil. Quando eu vejo o pessoal falando hoje em golpe, eu digo: que golpe? Golpe é o cara ser torturado, amigos mortos. Isso é que eu vivi. Você perder várias pessoas dentro da faculdade. É muito difícil.

O POVO – Você entrou na era dos festivais quando concorreu com Andança e até antes quando seu irmão Dori concorreu com Saveiros. Por conta do clima de competição, você fez mais inimigos ou amigos nessa época?

Danilo – Não, não... Foi gozado por que eu trabalhei com o Roberto Carlos, na época lá daquele Maria, carnaval e Cinzas. O Roberto Carlos era famozaço e tinha que ter um prêmio ali. Quem controlava a televisão na época era o Marcos Lázaro. Aí o Roberto tirou o quinto lugar (no Festival da Música Popular Brasileira, 1967) com essa música e eu estava de flautista. Pô, mas você ganhar um bombom Sonho de Valsa no meio da cara dói pra cacete. Antes de entrar, eu vi o Sérgio Ricardo quebrar o violão e mandar em cima do público. Não sei se foi uma música depois ou duas, mas estava um ambiente ruim pra cacete. Aquela plateia hostil, pareciam vikings. E o Roberto foi super generoso, aumentou o cachê da gente. Pô, eu adoro ele.

O POVO – O primeiro disco que sai com seu nome na capa é um trabalho coletivo, dividido com dois mineiros, Beto Guedes e Toninho Horta, e um pernambucano, o Novelli. Qual a história desse disco?

Danilo – Ele reflete a união dos músicos dessa época. Tava todo mundo vindo do Nordeste, o pessoal do Clube da Esquina chegando. Esse disco foi gravado numa noite só. Só o Beto Guedes que demorou mais um pouco. Mas nós gravamos numa madrugada toda. É o que tinha e a única maneira de fazer um disco da gente. Foi o primeiro. Era a oportunidade de se fazer um disco na Odeon. E é um disco que hoje vale uma fortuna no mercado. Tem uma participação da Nana (Caymmi). É um disco importante, tem aquela foto clássica no banheiro da Odeon. Acho que a foto é do Cafi (Carlos da Silva Assunção Filho). Mas foi muito bacana trabalhar com esses músicos, eles eram um grupo muito unido. O Toninho Horta muito desastrado. Eu lembro que depois de uma gravação dessas, a gente foi comer uma pizza no Diagonal, que é no Leblon, e lá estava cheio de cana (polícia). Nessa época era meio barra pesada. A gente rachava uma pizza à francesa, aquela toda cortadinha e o Toninho, desastrado, sempre derrubava a porcaria do chopp na pizza (risos). O Toninho é impressionante! Ele larga o violão a seis metros de distância, ele passava e o violão caia do outro lado.

O POVO – Em 1977 sai, enfim, seu primeiro disco solo. Como você avalia esse trabalho que esse ano completa 40 anos?

Danilo – Isso é um pouco dessa ousadia que a gente tem em família. Pelo menos esse núcleo aí, eu, meu pai e Alice. O que acontece: as gravadoras, cheio de especificação, produção, cheio de não pode, produtor falando muito... Ih! Eu vou fazer o disco da minha cabeça, com as minhas músicas, minhas canções e a Ana (Terra, compositora e ex-mulher de Danilo) produziu. A gente fez isso tudo baseado no Feito em Casa (um dos primeiros discos independentes do Brasil), do Antonio Adolfo, que passou a lista dos lojistas em todo o Brasil. E a gente saiu com aquele talonário de nota fiscal, um fusca, a Alice de bebê e vamos nessa. E vendemos discos pelo Brasil todo. E foi muito legal o disco, com todos os amigos participando em mutirão. Tem um presente nesse disco, que o Novelli me deu. Sou um grande admirador do baterista Airto Moreira, (catarinense) que é radicado nos Estados Unidos. Ele gravou no disco e eu só o conheci depois. Ele foi direto pra casinha da bateria. Eu estou tocando violão mineiro e o cara tocando tudo. Depois eu “meu deus, quem é esse baterista?”. Aí eu vi que era o Airto. Pô, fiquei emocionado. E era um movimento que depois chegou a um ponto que incomodou a indústria. Eles começaram a estrangular.

O POVO – O que é que incomodava?

Danilo – Por que o Boca Livre gravou um disco (independente) que vendeu 80 mil cópias. Era uma quantia significativa para a gravadora. Era concorrência, então não era interesse deles, né? Gravadora hoje é mais uma distribuidora de CDs, uma coisa de marketing, né? Não é mais aquela coisa de poder. A Bethânia vai gravar e quer um Mercedes zero de luvas. Isso acontecia. Aí, depois do Boca Livre, a coisa começou a mudar.

O POVO – E desse seu disco, a Elis chegou a gravar o Pé sem Cabeça, não é?

Danilo – Gravou o Pé sem Cabeça, mas a harmonia está errada pra caramba. Eu fiquei muito chateado por que... Não sei... O entendimento do César Camargo (Mariano, arranjador do disco da Elis) da harmonia não foi o ideal. Sabe, é uma coisa de compositor mesmo. Não é uma questão de você mexer na obra, mas você tem que manter um segmento. Tem dois ou três acordes fundamentais que desvirtuou um pouco. A gravação poderia ser melhor. Uma das melhores gravações de Andança, pra mim, que o arranjo é do (Roberto) Menescal, é da Elis Regina.

O POVO – O que mais ainda tem pra falar desse primeiro disco hoje, 40 anos depois? Você mudaria alguma coisa?

Danilo – Eu mudaria muita coisa. Esse novo (Danilo Caymmi Canta Tom Jobim) é que é o meu melhor disco, de toda a minha carreira. Eu fui muito chato com repertório, se tinha uma nota que estava me incomodando. Você vai ficando mais velho, vai ficando com ouvido de tuberculoso. Você ouve cada coisa! Não tem uma nota que me incomode. O Cheiro Verde tem. Tem muito acochambrado. Eu to cantando errado, por que canto no falsete. Quem botou minha voz no lugar foi o Tom. Ele que descobriu que eu tenho “a voz abafada ao alho”. Até hoje não descobri o que ele quis dizer com isso.

O POVO – Você já esteve presente em muitas trilhas de novelas e minisséries. Hoje não é mais assim...

Danilo – Não por que a coisa mudou muito o perfil. Quando comecei na televisão, eu não tinha muito interesse. As pessoas achavam num determinado momento que o disco da novela iria prejudicar o próprio disco de carreira. E era uma bobagem. O que eu raciocinei foi o seguinte: são não sei quantos milhões de brasileiros vendo esse horário, a música só vai dar certo. E o Riacho Doce foi a segunda intervenção na TV. A primeira foi o Mariozinho (Rocha, diretor musical da Globo) que me chamou pra fazer a Tieta do Agreste, que acabou sendo uma letra do Boni e Luiz Caldas. A minha foi feita para a abertura da novela, mas acabou não entrando. Depois o Riacho Doce, que a Globo fez para concorrer com o Patanal (Manchete).

O POVO – E qual é o espaço que tem hoje para tua música?

Danilo – Acho que é a estrada, né? Na estrada você está sempre tentando fazer alguma coisa. Por que você lançar uma música aqui desincentiva muito todos os compositores. Vou falar um pouquinho dos jovens. Tem um movimento no Rio, agora, de espaço para trabalhar. Conheço muitos grupos que os caras vão com bateria de carro para a rua para ligar as guitarras, fazer festa. Tem o Noites do Norte, que é um grupo do Davi Mello, que é meu amigo. É a maneira que as pessoas encontram, por que você não tem casa de meio porte.

O POVO – Diferente da Nana, que gravou inúmeros discos com a obra do pai, você segue com uma obra mais plural como intérprete e compositor. Existe alguma cobrança, de mercado ou família, para você se debruçar mais sobre a obra de Caymmi?

Danilo – Já está nesse trabalho do centenário (celebrado em 2014, mas que ainda rendeu discos inéditos em 2016). Nós gravamos tudo... Na verdade eu conduzi tudo, produzi tudo, busquei todos os financiamentos na iniciativa privada. Teve um livro, várias exposições. Só ficou faltando um ballet e um musical, que a gente está em entendimentos ainda. Por que eu acho que você usar o musical dentro da dramaturgia da obra, seria muito importante. Você ver O Mar, essa história do pescador tem um cenário, um conteúdo social muito forte. Tanto que deu o maior apelo nessa época, um pouco antes do João Goulart, que o (Francisco) Julião queria fazer a liga dos pescadores com o meu pai. Deu um rolo danada. Não sei se eu estaria aqui com você (risos).

O POVO – E é uma das músicas mais icônicas do Dorival, não é?

Danilo – Essa música é muito forte. Ela até recebeu uma homenagem dos pescadores aqui do Ceará, eu vim com a Nana. E sobre essa música, em 1972 ou 73, o papai fez um filme Capitães de Areia (1968), em que ele atuou como ator e ele canta essa música. E o governo militar censurou o filme, que é do Hall Barthet. Esse filme passou da união soviética e fez um sucesso lá danado. (Cantarola O Mar em russo) Ali devia ter “Eu estou na neve/ Você está comendo/ Eu estou aqui sofrendo”. Um dramalhão danado e bem russo. Mas, quando os soldados russos regressaram do Afeganistão, que foram derrotados pelos soldados do Bin Laden, que naquela altura estava financiado pelo governo americano, eles foram rejeitados em Moscou. Depois, eles migraram para a máfia e levaram essa música com eles. Então, essa música é o hino da máfia russa. Ta bom pra você?

O POVO – No disco Dom Dom você é acompanhado por uma turma de jovens músicos. Mas você acompanha essa nova cena?

Danilo – Acompanho através da Alice. Se bem que o Domenico (Lancellotti, baterista e compositor) trabalhou comigo em início de carreira e o Bruno di Lulo eu considero um estilista do contrabaixo. Eles têm uma grande influência do Novelli, de músicos importantes da minha geração. Mas o Bruno... Eu gosto muito do instrumento e acho que ele tem um futuro brilhante de estilo. Por que, quando o músico encontra um estilo próprio, é muito bom. E eu fiquei muito satisfeito com esse disco. Eu trabalhei somente como flautista e cantor. Não dei opinião nenhuma. A única exigência que eu fiz foi a presença da cantora Ana Lomelino, que é do grupo Tono, que também é uma artista que eu respeito muito, como respeito a minha filha e também é essa tendência de multiartista. Como é a Letícia Novaes, lá no Rio de Janeiro. Com toda a opressão que a mulher sofre ainda hoje, são cantoras e são artistas que furam determinadas barreiras importantes. São cantoras militantes, que lutam por causas e têm um efeito transformador muito grande e acho que é isso que minha filha quer.

O POVO – Ampliando o olhar, como você vê o mercado de música hoje no Brasil?

Danilo – Acho que a qualidade caiu muito. Você tem compositores trabalhando em cima de formas, de acordes que pegam dos Estados Unidos e que está sucesso. Aí tem quase uma indústria fazendo essa música pra colocar no mercado. O fato do descartável estar cada vez mais. É um descartável que não é reciclado. A gente tem um problema social também do artista, que já é uma carreira difícil, e você é um autônomo, as pessoas são galgadas ao sucesso muito cedo e a queda afeta a saúde mental. O sucesso é o momento mais frágil que um artista pode ter.

O POVO – Que prejuízos e ganhos você sente nas novas formas de consumir música, sem o suporte físico?

Danilo – O disco físico morreu, disso não tenho a menor dúvida. A televisão, como a gente conhece, está em rota de colisão com o cometa. O que a gente está passando, principalmente na questão do direito autoral é um grande transformador. Por que há uma tendência também, de alguns grupos que querem desvalorizar o criador, o ponto principal que é a criação. Você só fica com o periférico. Então a gente tem brigas constantes, eu estou falando pela militância em favor dos direitos autorais. Tem a questão dos hotéis que não querem pagar direitos autorais. É uma briga constante. São 40 e tantos projetos, sempre contra o autor, sempre contra a criação. Como se atrás da música não existisse uma família. O Tom falava muito, quando chegavam “ó, o cachê é simbólico”, (ele dizia) “mas a conta de luz, conta de gás não é simbólica, não tem nada simbólico”. Houve uma desunião muito grande nos ministérios da cultura passados, talvez uma tendência do governo estatizante e que prejudicou e dividiu muito a classe. Agora, a gente está brigando no fator comum. A grande questão é que, quem tem que pagar direito autoral é quem está entre o compositor e o consumidor. É isso, simples assim. Agora, é uma briga que acontece na Espanha, já tentaram mudar as leis da unidade europeia. É uma briga grande. Não é exclusiva do Brasil. Meu pai também trabalhou muito com direito autoral, eu peguei muito isso dele.

O POVO – No dia 25 de janeiro, Tom Jobim completaria seus 90 anos. Que presente você gostaria de dar a ele nesse dia? Não vale seu disco novo...

Danilo – Ah não pode? Eu já ia dizer... Acho que uma coisa que ele gostaria de gostaria de receber é um quadro do meu pai. Ele admirava muito, papai era pintor. Talvez o autorretrato do papai, acho que ele iria gostar muito. Papai deu um quadro a ele, que está com a Aninha (Lontra), e eu sei que ele gostar muito desse autorretrato que está com a família (Caymmi).

- Pergunta do Leitor:

Richell Martins, jornalista – No danilo Canta Tom, você tem Por Causa de Você e Derradeira Primavera, são duas músicas que acabaram ficando muito fortes em interpretações femininas. Qual foi a chave pra colocar essas faixas ali?

Danilo – Olha, isso vem da cultura familiar. Por que um dos discos de cabeceira da minha família é um dos melhores discos da Lenita Bruno e Leo Peracchi, eles cantando essas obras do Tom Jobim. Mais do que Elizeth Cardoso, que a gente ouvia. A Nana tem ideia de gravar esse disco, com arranjos do Dori e com essas canções. Isso vem do inconsciente familiar. São canções que circulavam lá em casa na interpretação da minha mãe. Essa “Ah você está vendo só, do jeito que eu fiquei e que tudo ficou...” (cantarolando Por Causa de Você), essa letra me pegou criança.

Perfil:

Danilo Candido Tostes Caymmi é carioca nascido em 7 de março de 1948. Filho do compositor Dorival Caymmi com Adelaide Tostes Caymmi, a cantora Stella Maris, irmão de Dori e Nana Caymmi, ele estreou como músico no disco Caymmi Visita Tom (1964), atuando como flautista. Seu primeiro trabalho autoral veio no álbum coletivo dividido com Beto Guedes, Novelli e Toninho Horta. Antes do primeiro disco solo, Cheiro Verde (1977), ele já havia emplacado Andança e Casaco Marrom, sucessos, respectivamente, nas vozes de Beth Carvalho e Evinha. Em mais de 50 anos de carreira, Danilo Caymmi já participou de inúmeras gravações; foi diretor, vocalista e flautista da banda de Tom Jobim; escreveu trilha para minisséries como Riacho Doce e Teresa Batista; lançou mais de 10 discos solo e vários ao lado da família. Pai da cantora e compositora Alice Caymmi, Danilo é ainda vice-presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus).

Bastidores:

- Danilo Caymmi esteve em Fortaleza para a divulgação do disco em homenagem a Tom Jobim. Hospedado na casa de um amigo, ele tirou o fim de semana para conversar com a imprensa

- Antes de vir a Fortaleza, Danilo conversou com O POVO sobre o disco

Danilo Caymmi canta Tom Jobim. A matéria sobre o tributo pode ser conferida em blog.opovo.com.br/discografia/danilo-caymmi-presta-sua-homenagem-aos-90-anos-de-tom-jobim/

- A primeira composição de Danilo gravada foi De Brincadeira (parceria com Edmundo Souto), em 1967. Dois dos seus principais sucessos foram lançados em festivais. Andança tirou o 3º lugar no Festival de II Festival Internacional da Canção Popular (1968), com Beth Carvalho e os Golden Boys. E Casaco Marrom venceu o Festival de Juiz de Fora, na voz de Evinha (1969).

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