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Nadador radicado no Ceará, Luiz Altamir sonha em voltar aos Jogos Olímpicos
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Nadador radicado no Ceará, Luiz Altamir sonha em voltar aos Jogos Olímpicos

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Ser precoce é algo intrínseco ao nadador Luiz Altamir, de apenas 22 anos. Desde o mergulho inicial, ainda bebê, até a primeira participação em uma Olimpíada, a Rio 2016, a pressa no esporte o obrigou a amadurecer rápido. Ainda adolescente, largou a família em Fortaleza e se mandou para o Sudeste. Apesar de ser considerado baixo para os padrões da natação, encara rotina de gente grande, acordando cedo, com os três turnos sempre preenchidos. Foi até difícil encontrar um espaço para a conversa que se segue em função do preparo para tentar chegar até os próximos Jogos Olímpicos. Medalhar em Tóquio será o maior feito da carreira de Altamir, que foi ouro nos 4x200 metros livres em 2015 (Pan-Americano de Toronto) e nos 4x200 metros livres em piscina curta no Mundial da China, ano passado. Por lá ele também faturou uma prata, em 2014, na prova dos 4x100 metros livres dos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim.

O POVO: Você é filho de uma professora de natação (Dina Lopes). Isso foi o suficiente para você se apaixonar pelo esporte?

Luiz Altamir: Eu nasci em Boa Vista-RR, na época meus pais trabalhavam lá. Com um mês de vida, fiquei em Belém e, posso estar enganado, mas meu primeiro mergulho em piscina foi lá, com 3 meses de vida. Minha mãe, que é professora de natação, me mergulhou numa piscina. E desde sempre fui apaixonado por água. Quando fiz um ano, já fazia natação.

OP: Quando a natação deixou de ser apenas uma prática esportiva para virar coisa séria para você?

Luiz Altamir: Competi pela primeira vez como federado aos nove anos. Na época, fiquei muito nervoso, mas lembro que na minha primeira competição, que foi um Norte-Nordeste, consegui três medalhas de ouro, nas provas 50 metros livre, 50 metros borboleta e 100 metros livres. Eu liguei para minha mãe na hora e contei, entusiasmado, porque nessa época ela não morava comigo. Depois participei de outra competição e ganhei outro ouro e fui gostando disso.

OP: Você já praticou judô e futebol. Nunca pensou em seguir caminho por esses dois esportes, sempre manteve foco na natação?

Luiz Altamir: Judô foi um esporte muito importante para mim. Eu também ganhava no judô. Cheguei a ser faixa verde e por pouco não fui faixa marrom. Fiquei até os 13 anos no judô, mas é um esporte de contato e uma vez me machuquei, nada sério, mas meu técnico da natação falou: "cara, você tem que optar". Eu chegava de kimono na natação e me trocava lá. Então meu técnico deu o ultimato. E como sempre fui apaixonado por natação, optei pela água.

OP: Qual medalha foi o ponto de partida para você ser o atleta que é hoje?

Luiz Altamir: Não foi uma medalha, foi um momento. Em 2008 eu vi a Olimpíada que o Phelps concorreu e também o ouro do Cielo. Aquela olimpíada foi pela manhã e eu estava na escola. Eu ouvia meus colegas falando 'Phelps ganhou mais um ouro'. Eu buscava isso no jornal e um hora pensei 'Um dia quero ser igual a esse cara'. Quando o Cielo ganhou a medalha de ouro, foi um momento marcante para mim. Porque era um brasileiro ganhando um ouro e eu imaginei aquilo para mim. Depois disso eu comecei a sonhar em estar numa Olimpíada.

OP: Ter começado muito cedo na natação facilitou para que você alcançasse o nível em que está hoje tão rápido?

Luiz Altamir: Ajuda, mas não é essencial. No meu caso, tive o privilégio de ter iniciado a natação muito cedo graças a minha família e por isso a minha paixão pelo esporte é muito grande. Mas para as pessoas que começam tarde não tem segredo. Eu não acredito nisso.

OP: Para nadador, seu tamanho é considerado baixo. Onde o tamanho faz tanta diferença? E como você compensa?

Luiz Altamir: Eu tenho 1.73m. O cara que mede mais de 1.90m tem vantagem por causa da envergadura. Eu daria 30 braçadas numa piscina de 50 metros. O cara de 1.90m vai dar menos braçadas. A força que ele aplica é menor que a minha, porque a minha frequência que tem que ser maior que a dele para chegar na velocidade e no deslocamento. Mas acho que tudo isso é treinável, por mais que eu tenha uma desvantagem na altura, meus fundamentos e treinos são para tirar essa diferença na nado. Então a altura não é determinante de quem será o campeão e isso não vai me limitar

OP: Nadadores geralmente raspam a cabeça e tiram todos os pelos do corpo. Você, por exemplo, não raspa a cabeça. Faz tanta diferença?

Luiz Altamir: A gente tira para não ter atrito. O traje, a touca e o óculos tem que ser também o mais hidrodinâmico possível. Até o nado tem que ser técnico, para ter menos arrasto. Então, superfície lisa é diferente. Tem nadador que tira cabelo e barba. Eu, quando vou participar de uma competição importante, tiro quase tudo que é de pelo: barba, axila, peitoral e corto o cabelo para ficar mais leve. Nunca raspei a cabeça, mas quem sabe um dia.

OP: Qual sua rotina de treinamentos?

Luiz Altamir: Tem períodos de treino. Hoje eu faço nove treinos semanais, que são de segunda a sábado. Na segunda, quarta e sexta tenho dobra, que é como chamamos dois períodos na água. Terças, quintas e sábados só treino pela manhã. Domingo é o dia que a gente descansa. Segunda, quarta e sexta, fora os treinos na água, tenho preparação física no próprio clube, para ganhar força e explosão. O tempo total de treino nesses dias é de cinco horas na água e uma hora e meia na musculação. E nos dias sem dobra são duas horas e meia na água.

OP: E quando está próximo de uma competição importante essa carga se altera?

Luiz Altamir: Nesse caso a gente vai aumentando a carga, colocando mais intensidade. Um exemplo: se no mês de janeiro a gente nada 10 quilômetros por dia, no mês seguinte a gente diminui o volume e começa a intensificar com trabalhos de força, para ganhar resistência no nado. Depois entra o específico, que é quando começamos a simular a prova que vai nadar e depois tem um descanso até a competição.

OP: Como você se planeja para competições, metas e afins?

Luiz Altamir: Teve época que eu colei frases motivacionais no meu quarto, que me encorajavam. Eu não costumo escrever tempos. Depois eu tiro as frases e mudo, sou um cara que vai do momento, é dependendo do que eu quero.

OP: Você já bateu alguns recordes (Pan-Americano, no revezamento 4x200 metros livres e Mundial, no revezamento 4x200 metros livres em piscina curta). Quantos defende hoje?

Luiz Altamir: Para ser sincero, não sei que recordes tenho hoje e nem procuro ver. Na verdade eu não me preocupo com isso, de ficar verificando quem bateu meus tempos ou não. Meus objetivos são maiores que isso. Não quero apenas deixar recordes pros outros quebrarem.

OP: O que ainda falta para o Luiz Altamir?

Luiz Altamir: Esse ano tem o Troféu Brasil, que é a seletiva pro Pan-Americano e depois o Mundial Militar. Já tô em busca dessas metas que é estar entre os melhores do mundo.

OP: Qual prova você mira para ganhar medalhas?

Luiz Altamir: Meu sonho é ser medalhista olímpico, mas eu gosto de dar um passo de cada vez. Só é daqui a um ano e meio. Tenho que fazer o agora. Não se ganha medalha no ano da olimpíada, tem que ser bem antes. No momento em que você coloca um objetivo e vai tentando alcançar aos poucos com disciplina e humildade, tudo vai acontecendo.

OP: Qual a prova que você nada melhor?

Luiz Altamir: Eu gosto de nadar duas provas: 200 metros livre e 200 metros borboleta. Mas acho que na segunda sou melhor, porque essa prova tem muita história pra mim. Eu nadava 50 metros borboleta, 100 metros borboleta e 50 e 100 metros livres. E quando eu era mais novo eu nadava essa prova e passava abaixo do recorde (de tempo) dos 100 metros no 200 metros . É uma prova que bati recorde mais novo e desde pequeno fiz tempos muito fortes. Então essa pra mim é a prova.

OP: Um atleta olímpico precisa abrir mão do quê?

Luiz Altamir: Eu tive muitos dias de dores. A de acordar cedo, de não conseguir dormir à noite, de não treinar bem, de não competir bem, esse tipo de dor. A vida de um atleta é muito mais que apenas medalhas ou recordes. É persistir, por mais que as coisas não deem certo, é persistir nessas dores. É uma dor que no final da prazer. Todo sacrifício vale a pena. E tem que abrir mão de muita coisa. Não pode dar "migué" no treino, sair pra balada todo fim de semana e beber. Se você perguntar a qualquer atleta todos querem ir para uma olimpíada, mas essa pergunta está errada. Tem que questionar o que ele faria pra ir a uma olimpíada.

OP: E o que você faria para ir a uma olimpíada?

Luiz Altamir: Tudo. Qualquer coisa. Eu treinaria todos os dias, eu não sairia no fim de semana, eu comeria só salada por um ano. Eu abriria mão de todos os prazeres que a vida oferece para estar lá, porque a experiência que eu tive foi única. Por mais que eu não tenha gostado dos meus resultados, eu gostei da vivência, de ter visto meus ídolos quando criança, vivenciado a Vila Olímpica, ter visto de perto uma torcida de olimpíada, ainda mais a seu favor. São momentos que não tem dinheiro no mundo que pague.

OP: Como funciona a interação entre atletas numa vila olímpica?

Luiz Altamir: Imagina um lugar com gente do mundo inteiro, que quando você cruza a rua você vê Phelps, Bolt, enfim. É como uma pessoa num lugar com seus ídolos. São pessoas que te inspiram ou inspiraram em algum momento e a sensação de poder ir lá, tirar uma foto, poder conversar com elas.

OP: Qual medalha é especial para você?

Luiz Altamir: A do Mundial de Piscina curta na China é a mais importante para mim. Porque eu tive um ano de 2017 muito difícil, não consegui nadar bem, foi muito sofrimento, mas em 2018 virou e foi muito bom pra mim. A do mundial, inclusive, significa muito não só para mim...

OP: E a medalha do Pan de Toronto?

Não fica ao lado dessa?

Luiz Altamir: Não. Mas não é que eu descarte, longe disso, jamais. Mas é que a medalha do Mundial significa muito pela estrada, sabe? De desafios. Porque a gente treina muito e algumas vezes não consegue executar. Foi meu primeiro mundial de curta, eu nunca havia nadado tão bem na curta, porque exige muito mais virada e força do atleta e eu nunca fui bom disso. E evoluí muito nisso em dois anos. Então, poder ter melhorado todos os meus tempos, ter pegado duas finais de mundial, que eu nunca tinha nadado antes, e sair com medalha de ouro e recorde mundial é incrível. Por isso que ela pesa tanto. Primeiro que ninguém acreditava, apenas nossos técnicos e a gente.

OP: Que dificuldades vocês tiveram no Mundial de piscina curta?

Luiz Altamir: A diferença entre Brasil e os outros países é que nós não temos o time reserva. Os EUA, Austrália, China, Rússia, todo mundo tinha atleta para trocar, então eles botavam os reservas nas eliminatórias e outros para nadar a final. E o Brasil era só um time. Trocamos só um cara, já tínhamos nadamos pela manhã. No dia da prova, nadamos controlado e conseguimos classificar bem. Lembro que na última sala antes da prova (revezamento 4x200 metros livres), estavam todos os oito times lá cada um com quatro nadadores), todo mundo chegando sério, um querendo intimidar o outro. Lembro que o Fernando Scheffer (um dos quatro nadadores do time do Brasil) deu um grito muito alto, em inglês "come on, boys!" e todos olharam pra gente. Demos risada e foi nesse momento que a gente viu que o nível de confiança estava alto. Eu entrei até sorrindo na hora da prova. E antes de cair na piscina eu olhei pro Scheffer, apontei e gritei "vou entregar essa porra na frente". E foi nesse momento que eu tive certeza que a gente ia ganhar. Nadei abaixo do recorde mundial o tempo inteiro.

OP: Quem quer ser atleta olímpico precisa ir para Rio de Janeiro

e São Paulo?

Luiz Altamir: Eu saí por falta de estrutura. O atleta não vive só de água (piscina) e musculação. Quando eu estava em Fortaleza eu tinha um apoio de uma empresa e usava o dinheiro para pagar nutricionista, comprar os trajes que uso, que são caros. Faltava competitividade em Fortaleza. Eu via que o único jeito de conquistar meu sonho era ir para o Flamengo, que na época tinha me chamado. Eles têm uma estrutura muito superior. Fortaleza não tem uma equipe profissional de natação e nem apoio. Eu até falei pra minha mãe na época que se ela não me deixasse ir pro Rio eu não conquistaria vaga para a Olimpíada. E minha decisão de vir para São Paulo foi semelhante.

OP: E a diferença de estrutura daqui para outros países?

Luiz Altamir: Ir para os Estados Unidos, por exemplo, não é fator determinante para ganhar medalha em uma Olimpíada, por mais que muitos dos nossos nadadores que ganharam treinavam por lá, mas hoje eu posso afirmar que meu técnico, meu preparador físico, meu biomecânico, fisioterapeuta, meu médico e minha médica são capacitados. Porque antes talvez não existisse essa globalização de conhecimento de treinamento, de troca de informações, mas hoje é muito mais fácil saber o que tá acontecendo do outro lado do mundo. Muitos atletas saem mais pela parte acadêmica do que pelo esporte de alta performance.

OP: A gente vive um Governo Federal que aparentemente não tem o esporte como prioridade. O que você pensa sobre isso?

Luiz Altamir: Eu não estou muito a par do assunto, mas o que posso dizer é que o esporte é educação também. Eu sei que o esporte muda vidas.

OP: Dá para viver de natação no Brasil?

Luiz Altamir: Não. Você precisa ser um baita atleta ou procurar outras alternativas. No caso da natação, teria que ser um medalhista olímpico, de mundial e ainda assim precisa fazer outras coisas para tocar a vida. Mas não tem como comparar com futebol, por exemplo. Futebol é surreal. A nossa natação hoje está passando por uma crise. Nosso patrocinador, os Correios, não estão mais com a gente. E os atletas precisam de apoio. O Governo nos ajuda, tanto quanto o programa de alto rendimento das forças armadas. Eu, por exemplo, sou terceiro sargento da Marinha e isso ajuda muito, porque como militar eu posso usufruir das instalações e também do apoio salarial que a gente ganha. Eu hoje consigo viver como atleta, mas não sou um cara rico. Eu tenho o essencial para mim.

OP: Além de atleta, o que mais você faz?

Luiz Altamir: Faço faculdade, curso nutrição. Acho que no Brasil falta isso, do esporte e educação ser uma coisa só. Porque não fazem piscinas? Porque é caro, a manutenção, inclusive. É mais fácil fazer uma quadra, que se joga futebol, basquete vôlei, por isso mais gente parte pro futebol e pra essas outras modalidades que para a natação.

OP: Qual tua relação com o Cielo hoje? É seu maior ídolo? Que exemplo dele você tira pra você?

Luiz Altamir: Vi muitas competições dele, o acho fora de série, é um cara que vejo quase todo dia no clube (Pinheiros), já viajei junto com ele e a gente troca muita ideia. Então, foi um cara que vi atrás dos holofotes. Se eu tinha admiração por ele, hoje tenho mais ainda, respeito. Ele me ensinou uma técnica que se tá difícil de cair na água você conta de 5 até 1 e age. A natação no Brasil evoluiu muito por conta dele.

Luiz Altamir: Posso dizer uma coisa?

OP: Pode!

Luiz Altamir: Eu tenho muito orgulho de representar o Brasil. É um amor absurdo que tenho pelo meu país e por mais que a gente passe por dificuldades, eu nasci aqui, o Brasil me moldou do jeito que sou e por mais que a gente sofra e tenha problema aqui, a gente também tem muita coisa positiva no nosso país. Com certeza a maior delas é nosso povo e temos que amar nossa terra. Por mais que a gente nade sozinho, o peso de todos os brasileiros está sempre ali com a gente. Eu queria até dizer a frase que um amigo meu usa muito. A gente devia colocar na entrada de todo lugar: proibido a entrada de pessoas perfeitas. Não há nenhum país perfeito e tem que amar acima de tudo.

OP: Você é mais paraense, cearense carioca ou paulista?

Luiz Altamir: Brasil

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