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A frágil invenção do humano
Opinião

A frágil invenção do humano

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Paulo Henrique Martins

Professor de Sociologia da UFPE e ex-presidente da Associação Latinoamericana de Sociologia - Alas
 (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Acervo Pessoal Paulo Henrique Martins Professor de Sociologia da UFPE e ex-presidente da Associação Latinoamericana de Sociologia - Alas

Desde a Grécia, a Filosofia tem procurado valorizar alguns elementos considerados centrais para o sujeito se relacionar com o mundo como humano: o conhecimento, como condição da verdade, o direito, como condição do justo, e a estética, como condição da beleza. Esta tríade clássica ganhou destaque na modernidade. Um discípulo de Hegel, o francês V.Cousin, escreveu um livro de grande sucesso no século XIX intitulado Do verdadeiro, do Belo e do Bem, ressaltando as diferenças e convergências entre verdade (o campo da ciência),bondade (o campo da moral pública e privada) e beleza (o campo da estética e da arte). Kant também ressaltou que a liberdade moderna está relacionada à relativa autonomia que ciência, ética e estética estabelecem entre si. Este debate filosófico tem importância crucial para se entender o processo civilizacional moderno e a invenção de um sentimento compartilhado que liberou o humano como direito universal. Este sentimento transformou as diferenças tribais e culturais numa moeda de reconhecimento mútuo que viabilizou o sentido coletivo das instituições sociais.

Esta rápida reflexão tem por objetivo explicar os perigos da dissociação atual entre verdade, justiça e imaginação artística que inspiravam um pertencimento afetivo e onírico coletivo. A fragmentação do humano como projeto universal implica no enfraquecimento do solidarismo moral que legitimava as instituições comuns. Trata-se de um equívoco supor que inovação tecnológica e garantia jurídica assegurem a ética humanística e a coesão social. A imaginação do humano não floresce com o consumismo, mas apenas com a possibilidade de perceber e sentir a si mesmo como parte de uma vida plural, como elemento de uma utopia fabricada de desejos amorosos confluentes. A emoção do viver se manifesta pelo respeito mútuo e por uma razão sensível que justifica o sonho democrático.Se a ontologia do humano perde sentido, a tendência é que as castas dominantes manipulem a verdade, a justiça e a arte em favor de um programa autoritário inspirado pelo fascismo que agride o sonho da emancipação. 

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