Logo O POVO+
Texto e saudade
Opinião

Texto e saudade

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Regina Ribeiro
Jornalista do O POVO (Foto: Iana Soares/O POVO)
Foto: Iana Soares/O POVO Regina Ribeiro Jornalista do O POVO

Parece estranho lamentar a morte de uma pessoa que não conhecemos e que não nos reconheceria. Mas, lamentei profundamente a morte do jornalista Clóvis Rossi. Fui sua leitora desde sempre. Em junho de 1999 o vi em atuação por alguns dias. Cobri, para O POVO, a primeira reunião dos chefes de Estado e de Governo dos países europeus e América Latina (Cimeira), no Rio de Janeiro. Este foi um dos eventos político-econômicos mais importantes da década. Já fazia 10 anos do consenso de Washington e a prometida expansão de mercados dava sinais de só beneficiarem os ricos. Havia também os acordos bilaterais como o Nafta, capitaneado pelos Estados Unidos, visto como uma ameaça tanto para a Europa quanto para os países do bloco Sul.

A cobertura era medonha: dezenas de entrevistas coletivas, eventos e encontros diários que culminariam com a chegada de todos os presidentes e primeiros-ministros que assinariam a famosa Carta do Rio. O sistema de cobertura se dava por meio de inscrições. Para as coletivas concorridas havia sorteios entre os veículos. No meio dessa confusão, conheci Clóvis Rossi. Ele estava presente nos principais eventos e diante dos personagens mais importantes. Quando escolhia algo e encontrava Clóvis Rossi, sabia que estava no lugar certo. Elegante e educado, cumprimentava todo mundo com um sonoro bom dia, boa tarde, boa noite, incluindo a fonte. Antes de fazer a pergunta, se apresentava, embora todos o conhecessem, o chamassem pelo nome e durante a conversa se remetessem a outras entrevistas as quais ele havia participado. Fazia perguntas contextualizadas a tal ponto que parecia conhecer tudo sobre todos os países. Não se conformava com respostas simples, queria ir ao ponto do que era a informação que desejava transmitir e voltava a ela várias vezes, sem se importar com o rumo da conversa.

Clóvis Rossi escreveu alguns dos textos mais precisos sobre o governo Bolsonaro, de quem foi crítico desde os primeiros momentos da campanha, da mesma forma e com a mesma força que criticava os governos do PT. Com a diferença de que sempre considerou Bolsonaro "um sujeito ignorante alçado ao cargo de presidente". Como sua leitora, sentirei saudades. Como jornalista, ensinou-me - mesmo sem saber - lições importantes. A principal foi a de que um jornalista deve estudar sempre. Até o fim. 

 

O que você achou desse conteúdo?