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O pensamento infantil de Bolsonaro
Opinião

O pensamento infantil de Bolsonaro

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
André Haguette  
Sociólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará - UFC
haguetteandre@gmail.com.br

 (Foto: O POVO)
Foto: O POVO André Haguette Sociólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará - UFC haguetteandre@gmail.com.br

A capacidade de pensar e de compreender não é, como é sabido de todos, uma habilidade humana inata; ela é fruto de um longo desenvolvimento que, quando, bem sucedido ou completo, atravessa quatro estágios: sensório-motor, pré-operacional, operacional-concreto e, finalmente, aos 12 anos de idade, o operacional-formal. Jean Piaget ensina que nesse desenvolvimento não se pode pular etapas, mas é possível não completar o ciclo, não chegando à maturidade do pensar. O que caracteriza o momento operacional-concreto é a capacidade da reflexão aperfeiçoar-se, mas sempre baseada em situações concretas; é um pensar que não se descola de materiais que podem ser visualizados e experimentados, ficando refém de uma compreensão egocêntrica, sempre ligada a experiências vividas. O estágio operacional-formal, por sua vez, levanta voos mais altos e mais longos, engajando-se em raciocínios proposicionais, abstratos, ou seja, deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos, de relações previamente existentes, mas a partir de hipóteses.

Observei que o modo de pensar do presidente Bolsonaro não evoluiu além do terceiro estágio, o operacional-concreto. Assim, frente a uma usina de dessalinização em Israel, ele pensa ter encontrado a solução para a falta de água no Nordeste; ao saber de uma pesquisa realizada na Universidade Mackenzie, ele conclui que são as universidades particulares que pesquisam; imagina equacionar a indústria do turismo ao transformar Angra dos Reis em uma Cancun brasileira; diante de evangélicos, ele se lembra que o STF precisa de um juiz evangélico; para seu prazer de dirigir, ele elimina os radares de velocidade; aborrecido por ter sido multado, ele abole a proteção ecológica da área onde pescava; por gostar de armas (afinal é artilheiro), pretende generalizar a posse e o porte de armas; reformula um projeto de lei, porque "geralmente um pedido de primeira-dama é atendido"; prolonga a validade da carteira de habilitação de motorista de 5 para 10 anos e dobra a pontuação mínima para sua cassação, já que ele, seus três filhos e sua esposa foram multados 44 vezes em 5 anos. Isto é, as iniciativas de Bolsonaro partem de motivações, de experiências e de materiais pessoais e não de questionamentos e soluções hipotético-empíricos. Ele não pensa a convivência com a seca, o turismo, a pesquisa científica, a religião na política, a mortalidade no trânsito, a proteção do meio ambiente, a segurança pública como questões abrangentes e teóricas que precisam ser equacionadas de forma geral, impessoal e rigorosa. Limita-se a seus caprichos, desejos e experiências.

Não surpreende que essa falha cognitiva o incapacite a elaborar políticas de médio e longo prazo para solucionar problemas estruturais. Ele enxerga somente árvores sendo incapaz de avistar a floresta. Ao contrário do estadista que governa de olho nas consequências futuras para o maior número possível de pessoas, Bolsonaro cuida do individual, do imediato, do trivial. 

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