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Da direita e da esquerda
Opinião

Da direita e da esquerda

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
André Haguette  
Sociólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará - UFC
haguetteandre@gmail.com.br

 (Foto: O POVO)
Foto: O POVO André Haguette Sociólogo e professor aposentado da Universidade Federal do Ceará - UFC haguetteandre@gmail.com.br

Cada país ou região apresenta idiossincrasias próprias, embora mutantes. Na Europa, a clivagem política se expressa em termos de direita/esquerda; nos Estados Unidos, de republicanos/democratas. No Brasil, até a chegada de Bolsonaro, falava-se em democratas/não democratas; todos os políticos se apresentavam como democratas. Sua ascensão à Presidência mudou o panorama dessas nomenclaturas desencadeando uma guerra de guerrilha cultural contra tudo o que ele chama de "esquerda", de "socialismo", de "comunismo". Fala-se, hoje, em termos acusatórios mal definidos ou definidos por preferências pessoais, de direita ou esquerda. Mas o que significam esses dois termos na tradição ocidental?

Antes de ser uma dicotomia política, os conceitos de direita e de esquerda expressam mentalidades, visões de realidade, maneiras de enxergar a sociedade. A mentalidade direitista tende a aceitar a sociedade tal como ela é; pretende, seja por convicção filosófica, acomodação, submissão ou mesmo porque ela lhe é benéfica, mantê-la como ela é. Fundamenta-se numa teoria funcionalista que considera vitais as funções já estabelecidas que servem à manutenção da sociedade concebida como um organismo. Essa compreensão se baseia em três postulados, segundo Robert Merton: as atividades sociais reguladas ou os itens culturais são funcionais à sociedade inteira ou ao sistema cultural; todos esses itens sociais e culturais preenchem funções sociológicas; e, em terceiro lugar, são consequentemente indispensáveis. A mentalidade direitista deseja o status quo, respeita a ordem que, pensa ela, mantém a sociedade coesa e benevolente. Ela acredita que existe liberdade de oportunidades e meritocracia que permitem a cada indivíduo receber segundo seus valores pessoais. Daí infere-se que ela é conservadora.

Ao contrário, a mentalidade de esquerda vê atividades e traços culturais disfuncionais nas sociedades; sabe que conflitos latentes e manifestos existem em todas elas; e, mais ainda, que as classes ou grupos vencedores desses conflitos asseguram a sua coesão a seu favor e em detrimento de outras classes ou grupos. Ela acredita - e talvez seja esse seu traço específico diferenciador - na perfectibilidade de tudo o que existe. Por isso, postula a ideia de progresso, deseja a mudança e preconiza, além da liberdade, a igualdade e a equidade de condição diante da Lei e nas práticas da vida. Ela é progressista.

Essas duas mentalidades se refletem na política, podendo assumir vários espectros indo, de um lado, de uma articulação moderada para a conservação da ordem a uma articulação radical, via ditadura ou mesmo fascismo, e, por outro, de reformas graduais a revoluções totalitárias. Aceitando a economia de mercado e a liberdade de expressão (evitando assim os radicalismos), a mentalidade conservadora prefere o liberalismo que produz renda e riqueza, mas as concentra, enquanto a mentalidade progressista opta pelo socialismo democrático da social-democracia, que as produz e distribui. 

 

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