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Destruição da proteção social
Opinião

Destruição da proteção social

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Manfredo Araújo de Oliveira
Professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará - UFC  (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Manfredo Araújo de Oliveira Professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará - UFC

Hegel revelou o inaceitável do "liberalismo individualista" começando de sua concepção de sociedade por pensá-la como um conjunto de indivíduos atomizados que arbitrariamente decidem formar uma comunidade. O processo de construção do ser humano se efetiva através da construção de relações com a natureza e com os seres humanos. Na realidade, nós nos conquistamos, alcançamos nossa identidade, no interior de uma comunidade que nos reconhece direitos. A. Cortina traduz bem a ideia de Hegel afirmando que isto ocorre quando a comunidade nos torna "partícipes dos bens sociais indispensáveis para levar adiante uma vida digna, daqueles bens tão básicos para a vida humana que não podem ser relegados ao jogo do mercado". Assim, para uma sociedade ser verdadeiramente humana exige-se que todos os seus membros possam dispor "ao menos de uma renda básica, de uma moradia digna, de trabalho, de assistência à saúde, de educação, de apoio em períodos de vulnerabilidade"... Isto constitui o "Mínimo de Justiça" a que uma sociedade não pode renunciar.

Onde está o Brasil hoje? Certamente num esforço articulado com o objetivo de destruir o pacto social de 1988. No capitalismo contemporâneo, passa para primeiro plano o avanço de uma nova revolução tecnológica a serviço do mercado, sobretudo financeiro, um novo tipo de acumulação do capital e de comando do processo de trabalho. Com isto, a fração financeira do capital passa a controlar o processo econômico, a esfera política e o Judiciário. Politicamente, isto se traduz em criminalização dos movimentos sociais, no esforço de extinção dos sindicatos e na satanização dos partidos de esquerda tentando eliminar o tratamento político dos interesses populares. O objetivo se faz mais visível através dos "Projetos de Reforma" que constituem o desmonte sistemático dos direitos sociais. Na atual conjuntura, há um violento retrocesso social pela eliminação de avanços sociais de décadas, fruto de vigorosa participação democrática conduzindo à supressão de direitos, à desestruturação dos programas sociais, à informalidade em aumento acelerado, ao retorno da fome e à elevação acentuada da desigualdade. Direitos trabalhistas são considerados obstáculos para os negócios e a oferta de empregos coisa do passado.

Um bom exemplo é a reforma da Previdência. Não está aqui em questão sua necessidade, mas o tipo de reforma proposto, pois, inclusive, se tem conhecimento de que países a fizeram sem destruir a proteção social. A exigência é configurar a Previdência de tal modo que ela possa enfrentar questões novas. Um exercício importante para mostrar o caráter aético do que está sendo proposto é detectar quais são os grupos sociais nomeados para o sacrifício. No caso brasileiro, as mudanças sacrificam os mais pobres, penalizam os trabalhadores, idosos e inválidos em extrema pobreza, agricultores familiares, mulheres pensionistas de classe média baixa, deficientes, professores. A reforma não está a serviço da efetivação de direitos básicos, mas do novo deus de nosso momento histórico: os mercados financeiros. Com isto, erra drasticamente o Estado por não assegurar uma distribuição equitativa dos bens e serviços essenciais à vida humana. 

 

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