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Jornal
VERSÃO IMPRESSA

A imprensa e a liberdade para errar

25/04/2019 01:31:57
Plínio Bortolotti
plinio@opovo.com.br
Jornalista do O POVO
Plínio Bortolotti plinio@opovo.com.br Jornalista do O POVO (Foto: O POVO)

"Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto." (Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal).

No ano de 1964 J.B. Sullivan, comissário do Departamento de Polícia em Montgomery (Alabama), derrotou o New York Times no tribunal estadual, que foi condenado a pagar-lhe indenização de 500 mil dólares. O policial recorrera à Justiça pelo fato de o jornal ter publicado um anúncio publicitário (assinado por uma associação de defesa dos afro-americanos), acusando a polícia de agir arbitrariamente, provocando uma "onda de terror sem precedentes" contra defensores dos direitos civis.

Sullivam apontou erros factuais no anúncio, e o tribunal do Alabama entendeu que a Primeira Emenda da Constituição não protegia publicações difamatórias. O caso chegou à Suprema Corte. A questão era saber se, devido aos erros factuais e à suposta difamação, a publicação perderia a proteção constitucional.

Em seu voto, o relator do processo William Brennan, escreveu que erros são inevitáveis e exigir o "teste da verdade" teria o efeito paralisante da autocensura. Pelo raciocínio do juiz, mesmo aqueles que têm certeza do que escrevem poderiam ter medo de não prová-lo em juízo, ficando sujeitos a pagar indenizações milionárias, sufocando a liberdade de expressão.

Assim, anotou Brennan, em assuntos públicos, eventuais erros não devem impedir o debate "livre, robusto e aberto". Quanto ao conteúdo difamatório, a Corte indicou que também está protegido constitucionalmente, quando o debate for de interesse público. Assim, agentes públicos e o governo têm de suportar eventuais ataques veementes, cáusticos e desagradáveis.

Em resumo, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que, em uma discussão livre, de interesse público, estão protegidos pela Primeira Emenda - além de possíveis erros factuais, também o conteúdo difamatório.

Lembrei do caso ao ler a declaração de Dias Toffoli, citada acima. Conto melhor o episódio no artigo "O direito de difamar", escrito quando o julgamento completou 50 anos. (https://bit.ly/2VmBDkF) 

Plínio Bortolotti