Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.
A esta altura, todos conhecem a história de Evaldo Rosa dos Santos, músico carioca de 51 anos morto após soldados do Exército dispararem uma rajada de 80 tiros contra o veículo no qual trafegava com sua família rumo a um compromisso trivial: um chá de bebê.
É de conhecimento público também que, passados cinco dias do crime, o presidente da República, Jair Bolsonaro, não se manifestou sobre a ação desastrada dos militares, que seguem presos. Questionado por jornalistas, o porta-voz da Presidência confirmou que o chefe da nação não tinha nada a dizer sobre o episódio, limitando-se a afirmar que confiava plenamente na Justiça Militar, encarregada de julgar os nove suspeitos.
Alguém pode dizer que o presidente não tem obrigatoriamente de se pronunciar sobre toda tragédia que se abate no País, sejam as chuvas no Rio, seja um incêndio no museu ou a morte de uma jovem parlamentar, executada por milicianos.
Esse raciocínio, porém, não vale para Bolsonaro. Desde o domingo, quando os soldados metralharam Evaldo, o capitão reformado perorou sobre os mais diversos assuntos nas redes sociais. Entre uma e outra postagem, encontrou tempo para se solidarizar com o humorista Danilo Gentili, condenado a seis meses de prisão por injúria contra a deputada federal petista Maria do Rosário.
No Twitter, escreveu Bolsonaro nessa quinta-feira: "Me solidarizo com o apresentador e comediante @DaniloGentili ao exercer seu direito de livre expressão e sua profissão, da qual, por vezes, eu mesmo sou alvo, mas compreendo que são piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para outros".
Vejam. A família de um homem metralhado por militares não mereceu uma linha de solidariedade nem uma manifestação oficial do presidente. Bolsonaro se mostra indignado e se escandaliza facilmente com vídeos gravados no Carnaval. Mas não com o assassinato.
Gentili é um criminoso contumaz que faz as vezes de apresentador de televisão. O humorista - e chamá-lo assim é uma benevolência que ele não merece - já admitiu discordar de Bolsonaro em muitas coisas. Uma delas é que Maria do Rosário não merece ser estuprada. Acreditem: dirigida a uma plateia, essa fala arrancou risos.
Henri Bergson (1859-1941) definiu o riso como um ato essencialmente humano, que nos diferencia dos animais e da natureza, incapazes de rir e fazer rir. Segundo o filósofo, o riso é sempre uma prova de humanidade, uma faculdade associada à inteligência.
Para Gentili, o humor é esse lugar onde um homem se sente à vontade para chamar uma mulher de puta e, ao primeiro sinal de protesto ou de ameaça judicial, invocar a liberdade de expressão como anteparo, escondendo-se sob o argumento infame de que tudo não passou de uma piada mal compreendida.
Curiosamente, trata-se do mesmo expediente com o qual Bolsonaro muitas vezes tenta justificar ataques e ofensas. Lado a lado, o humorista apologista do estupro e o presidente que defende torturadores e silencia sobre assassinatos estão em boa companhia.
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