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A política do nós contra eles
Opinião

A política do nós contra eles

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Na era pós-ditadura militar, houve uma grande rivalidade partidária entre o PSDB do presidente FHC e o PT do presidente Lula, mas essa disputa ficou confinada a uma lógica do nós, nós contendores, nós adversários, nós em busca dos votos do eleitorado, nós atuando dentro dos limites das regras de uma democracia política. A contenda foi muito bem delimitada pela frase de Lula, mil vezes repetidas, de "herança maldita" que os dois presidentes sabiam ser uma frase de efeito, de demarcação de território, sem que jamais ela tenha impedido os dois de se respeitar e até de conversar, eles que tinham sido aliados na batalha pela redemocratização.

A democracia política representativa, tal como a conhecemos no ocidente liberal, confronta indivíduos da sociedade civil voluntária e legitimamente reunidos em uma agremiação (partido) para chegar ao governo do país com a finalidade de defender e ampliar seus interesses, o impacto de suas ideologias ou de seus ideais. Sendo assim, os partidos são concorrentes; não são jamais inimigos em busca do voto do eleitor. Não se trata de abater o outro, como numa guerra; trata-se de uma disputa para definir quem será governante e quem, oposição, e por quanto tempo, já que a médio ou longo prazo sabe-se que haverá alternância no poder entre os partidos de diversas representações: direita, centro-direita, centro-esquerda, esquerda ou qualquer outro posicionamento no leque dos interesses das diversas classes sociais.

PSDB e PT, embora adversários, souberam manter a disputa dentro do nós, situação e oposição, da arena política civilizada, honrando a democracia. As coisas parecem ter pervertidas com a última campanha eleitoral e a vitória do PSL de Jair Bolsanaro, passando de um regime político do nós concorrentes para o registro do nós contra eles. PSL e PT posicionando-se não mais como adversários, mas como inimigos. A lógica política mudou, tomando a aparência de uma guerra santa, os puros contra os corruptos, os verdadeiros contra os ideólogos, os nacionalistas contra os internacionalistas comunistas, o eixo do Bem contra o eixo do Mal. Perdeu-se a dignidade e o pudor democráticos que, se opõem interesses, ideologias e políticas diferentes, o fazem numa luta de rivais institucionais.

A relação do nós contra eles é uma relação belicosa que visa ao aniquilamento do outro enquanto pessoa física ou ator político, dependendo das situações. É uma instrumentalização do outro que Hobbes definiu como guerra de "todos contra todos", conduzindo à guerra civil ou, em outro termo, à barbárie. O jogo democrático não deseja a eliminação do outro, mas a sua condução à oposição.

É provável que o ódio entre os fanáticos partidários petistas e pesselistas diminua nos próximos meses com a melhora ou piora da economia. No momento, o confronto, ainda segue indefinido, se dá em torno de questões de costumes e ideologias. O desenrolar da economia nos próximos meses será a chave do sucesso do atual governo ou de seu dilaceramento terminal. n

 

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