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Faz "arminha" com a mão
Opinião

Faz "arminha" com a mão

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A frase é uma provocação, claro. Ninguém em sã consciência pode atribuir ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) responsabilidade direta pelo massacre de Suzano, na grande São Paulo, onde morreram oito pessoas pelas mãos de um adolescente de 17 anos e um jovem de 25, que depois se mataram.

O episódio é complexo. Desafia polícia, educadores e sociedade, e não se presta a reducionismos, tampouco a proselitismo partidário. Descartar suas conexões políticas, no entanto, é esvaziá-lo de sentido histórico.

Como o assassinato de Marielle Franco, que completou um ano nessa quinta-feira sem que os mandantes do crime tenham sido identificados, os ataques em Suzano lançam perguntas cujas respostas tangenciam a política.

Cada um a seu modo, os dois eventos trágicos expõem estruturas degradadas que fabricam criminosos operando num sistema que se retroalimenta. A execução da vereadora mostrou como a corrupção policial, associada à política, faz girar a roda do gangsterismo miliciano, do qual os matadores de aluguel são apenas fração - há outras, algumas muito influentes e mais difíceis de alcançar.

Impossível, nesse caso, dizer onde termina a facção e começa o mandato do deputado, estadual ou federal. Estão imbricados, e nenhuma investigação que não avance também sobre a influência do tráfico no Legislativo vai prosperar além de certo limite. Prender os executores de Marielle, quase um ano depois do seu assassinato, não é o ato final de um processo, mas o seu começo. Parar antes de esgotá-lo é a senha para que outras Marielle sejam barbarizadas.

Vale o mesmo para o atentado em São Paulo. Os dez mortos e os tantos feridos são o desfecho de uma cadeia de falências: familiar, escolar e estatal. E reflexo de um ambiente social em que isolamento e distúrbios pessoais encontram terreno fértil numa retórica armamentista que estimula a resolução de conflitos por meio da violência.

E aqui, exatamente neste ponto, entram a política e a "arminha" com a mão (polegar e indicador formando um revólver). É dispensável afirmar que se trata de marca registrada de Bolsonaro. Todos sabem. Ocioso também reiterar que o gesto vocaliza ódio.

O próprio presidente, no mesmo dia das mortes dos estudantes, admitiu que dorme com uma arma ao lado do travesseiro. O primeiro projeto apresentado no Senado por seu filho, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), pretende liberar a fabricação civil de armamento no País.

Logo depois dos ataques em Suzano, rapidamente se propagaram mensagens que condenavam qualquer associação entre todas essas tragédias e a política. Proponho o contrário: que se politize o debate até o ponto em que não seja mais possível dissociar o assassinato de uma vereadora do trabalho que realizava. Ou a conduta criminosa de um adolescente do caldo de ódio que se potencializa no discurso oficial.

Bolsonaro não tem qualquer participação em nenhum desses crimes. Seu exemplo, todavia, só contribui para que episódios semelhantes aconteçam.

O Brasil vive tragédias em sequência. Mal há tempo para se recuperar de uma, e outra já se abate. A impressão é de que o fundo do poço tem sempre um alçapão sob o qual se esconde outro, ainda mais viscoso que o primeiro. Desmontar essa máquina de fazer lama impõe um grande desafio: encontrar o ponto onde se conectam corrupção, traficância política e a propagação desse ódio. n

 

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