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Pra que árvores na Beira Mar?
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Pra que árvores na Beira Mar?

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Quando fui menino, tive vontade ter nascido árvore. Brotado na antiga Beira Mar. E, hoje, teria 52 anos de pássaros, de ninhos, e de sombra pra alguém que se acostumou deitar em meu pé de tronco.

Queria ter germinado perto onde foi a Peixada do Alfredo, próximo ou em frente à igreja de São Pedro Pescador.

Aquele pedaço sempre foi a cara de meu avô. Largávamos do Porangabuçu para comprar cavala fresca, camurupim, cioba, arabaiana, pargo, pescada-amarela, serra, biquara... Um desses pirões na água grande.

Íamos de ônibus e a volta era de táxi. Um luxo raro andar nos fusquinhas amarelos, capelinha mudando o valor da corrida, marcha de bola de siri e uma cordinha para puxar a porta do passageiro...

Não me importava em engolir semente de frutas. Tentava germinar, bebia água, abria a boca em direção ao sol, mas antes de vingar o intestino se aperreava e botava a perder.

Não tinha jeito, eu havia nascido menino e nenhuma garça confiava pousar em meus galhos.

Ainda bem que não nasci árvore, Fortaleza não tem vocação para sombras. Por essa altura do tempo, 52 anos depois, poderia ter sido derrubada na Beira Mar a mando da Prefeitura. Mais de 50 árvores.

E estaria fatiado o tronco em fotografias, feito o Oitizeiro da estima de Gentil Barreira.

Dodora Guimarães me escreveu e, indelicado, não vi a mensagem. Desde segunda penso ligar pra você. Sobre o Oitizeiro da Beira Mar, que ficava de frente ao Bar do Anísio.

Gentil estava inconsolável. Eram amigos de longas datas, desde a infância do fotógrafo, quando passava férias na casa de praia do avô de frente àquela árvore (no tempo da Beira Mar com casa dos lados da artéria).

Ele me mostrou fotos incríveis do Oitizeiro. Pensei em voz alta e prometi a ele que falaria com você, vendo se faria uma matéria sobre mais esta baixa no patrimônio ambiental.

Gentil foi ao facebook. Noticiou que "atropelado pelas obras de requalificação na avenida Beira Mar, Oitizeiro centenário veio a falecer".

Fausto Nilo, também no Face, contou que o projeto de "requalificação" da Beira Mar foi desenhado exaustivamente. Ocorreu na gestão Luizianne.

A árvore em questão, escreveu Fausto, era minha conhecida. Situada em frente ao saudoso Bar do Anísio e nos anos 70 chegamos a passar noites sob ela.

No projeto, que seria implantado com nosso acompanhamento, havia previsão de colocar uma escultura no formato de uma mesa. E estariam ali Claudio Pereira, Augusto Pontes, Petrúcio Maia e Belchior. Tudo isso se foi e muitas outras coisas irão por água abaixo a partir de uma decisão autoritária.

Fausto Nilo continua. Amigos, fomos uma equipe de três projetistas da futura Beira Mar, escolhida em um concurso público nacional. Ricardo Muratori, Esdras Santos e eu.

Nosso projeto foi publicamente acompanhada pela comunidade. Convém saber também se a árvore contraiu alguma doença de maneira a tornar-se irrecuperável. Do tempo do projeto até os dias atuais, cerca de 8 anos, nada foi identificado pelos especialistas.

O que podemos garantir é que, à época do planejamento ela não demandava remoção por razões de ordem espacial ou em decorrência de propósitos de nosso projeto. O contrário.

Comunico que temos, nós os autores, originais do projeto com 110 pranchas e qualquer cidadão terá todo direito de obter cópia.

Será possível constatar que o calçamento proposto com nossa pedra "granilítica", como o da Praça do Ferreira e como os que, infelizmente, estão afogados sob o asfalto onipresente na cidade, foi substituído pelo vulgarizado "blokret". Aquelas pecinhas artificiais de concreto que estão sendo assentadas na obra.

Foi por isto tudo, que pulamos fora da autoria e a sociedade tem todo o direito de saber. Admitimos que nosso plano possa conter erros como qualquer projeto no mundo, mas não são esses.

Foto do Demitri Túlio

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