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A travessia de Francisco
Opinião

A travessia de Francisco

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Juliana Diniz
Doutora em Direito e professora da UFC participa do evento (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Juliana Diniz Doutora em Direito e professora da UFC participa do evento

Pela primeira vez na história um papa visitou a península arábica, berço da religião islâmica. O pontífice foi recebido pelos Emirados Árabes Unidos, que o convidaram como parte das celebrações do ano da tolerância. O papa Francisco encontrou-se com uma importante autoridade religiosa do islamismo sunita, o xeque Ahmed al-Tayeb, imã de al-Azhar, mesquita sediada no Cairo. O líder máximo do catolicismo e a autoridade do islamismo sunita firmaram um compromisso pelo diálogo entre cristãos e muçulmanos, declarando o repúdio à violência praticada com motivação religiosa.

Em 2019, a Igreja celebra o aniversário de 800 anos de um evento com simbolismo semelhante: o encontro entre Francisco de Assis e o sultão do Egito Malik al Kamil. Francisco conseguiu atravessar os campos em guerra entre cruzados e muçulmanos em 1219, chegando em segurança até Damietta, onde o sultão o recebeu com hospitalidade. O homem cujo nome inspirou o atual papa permaneceu algum tempo sob os cuidados do sultanato, onde aprendeu sobre a religião e a vida de seus irmãos de outra fé. As travessias dos dois Franciscos têm importância pela mensagem política que carregam em contextos de ressignificação do papel social da religião.

A politização das comunidades de fé e a emergência do fundamentalismo cristão e muçulmano têm exigido uma reflexão mais profunda sobre o princípio da laicidade do Estado. A separação entre Igreja e poder político foi necessária para que sociedades com grande diversidade cultural pudessem se desenvolver sem a eliminação violenta dos grupos minoritários: sob esse viés, o estado laico é conquista civilizatória fundamental à liberdade.

Uma leitura estreita do laicismo, contudo, condena as comunidades de fé ao exílio do espaço público, favorecendo um ressentimento coletivo que é explicação do fundamentalismo que hoje ameaça a paz. A democracia moderna se funda em um humanismo laico, mas herdeiro da tradição das religiões abraamicas. Cristianismo, judaísmo e islamismo guardam um patrimônio cultural indispensável para compreensão dos desafios de nossa vida comum. Esse saber é valioso porque proporciona luz para o diálogo entre visões de mundo muito diversas e aparentemente inconciliáveis. O papa e o imã ofereceram uma mensagem de esperança: é sempre tempo para sobreviver à guerra e construir soluções respeitosas e plurais. n

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