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Um campo minado para Bolsonaro
Opinião

Um campo minado para Bolsonaro

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Tipo Notícia
A transição do presidente eleito Jair Bolsonaro, que parecia se desenrolar em céu de brigadeiro, começou a se turvar. Dois casos desafinaram a valsa do pesselista rumo ao Planalto: o do ex-assessor do filho e senador eleito, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), apontado em relatório do Coaf como autor de transações incompatíveis com a renda declarada. E a rinha de galo em que parte do PSL se transformou ante a expectativa de chegada à Presidência, com deputados novos e antigos se engalfinhando virtualmente por nacos de poder.

 

Somados, os episódios expõem o que espera Bolsonaro como mandatário: um pente-fino sobre sua vida e a de seus auxiliares mais próximos, notadamente os filhos. Conduzido ao governo sob o discurso anticorrupção, o militar leva consigo um histórico de três décadas como parlamentar do qual ainda pouco se sabe. A fantástica evolução patrimonial da família, por exemplo, é caso para se estudar por algum tempo ainda.

 

Não por acaso, vem à tona neste momento a sombra de Patrício Queiroz, o "faz-tudo" de um dos filhos do presidente em cuja conta as autoridades fiscais encontraram rastros que o ligam ao restante do clã - inclusive à futura primeira-dama, com depósitos de cheques para os quais o máximo oferecido até agora como esclarecimento foi que se tratavam de dívidas antigas, segundo o patriarca cuidou em dizer.

 

Difícil de contornar, a suspeita, contra a qual Bolsonaro não pode esgrimir discurso como o que costuma desacreditar os jornais, tende a acompanhar o sucessor de Michel Temer (MDB) mandato adentro. Ainda que não lhe virem as costas, os Bolsonaro vão ser - estão sendo todos os dias - confrontados com uma investigação que, pela vizinhança com a ação que prendeu parlamentares da Assembleia do Rio, tem potencial para causar estragos ao futuro governante, estoure quando estourar. O caso Queiroz constitui, desde já, um fio desencapado sobre o qual, cedo ou tarde, alguém irá pisar. Esse filme todos vimos. É o enredo da própria Lava Jato que se sustenta.

 

Embora mais prosaica, a outra face das preocupações atuais de Bolsonaro merece uma atenção maior: o próprio partido. Nanico, o PSL agigantou-se de uma hora para outra, arrastando atrás de si uma nuvem densa de deputados e senadores de primeira viagem imbuídos desse espírito de renovação que varreu a política brasileira em 2018. Pois bem.

 

Uma coisa é a eleição. Outra, bem diferente, são a Câmara e o Senado, teatro onde esses parlamentares terão de se haver com as forças tradicionais, dentro e fora da legenda. Seja aprendendo a dividir espaço, seja entendendo que precisarão de tempo para levar adiante esse plano difuso de praticar uma nova política.

 

É nesse caldo instável de ímpeto e inexperiência que se processam arengas como a que opôs a noviça rebelde Joice Hasselmann e o embaixador do "bolsonarismo", Eduardo, o deputado mais votado do País - que vem a ser outro dos filhos do presidente. Ambos do PSL, travaram uma contenda ruidosa que transbordou do Whatsapp para os jornais e obrigou o presidente a chamar os querelantes a um canto. É uma briga comezinha? Talvez.

 

Os sinais, porém, mostram outra coisa: assim como a movimentação financeira de um ex-assessor pode esconder algo maior que dinheiro não declarado, implicando gente graúda, uma batalha campal dentro do partido às portas da posse presidencial revela que Bolsonaro está pisando em campo minado. 

 

Henrique Araújo
Jornalista do O POVO
henriquearaujo@opovo.com.br

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