No entanto, seria equivocado interpretar os mais de 57 milhões de votos em Bolsonaro como um pedido de volta ao regime ditatorial. Muitos desses eleitores não devem ter a noção exata das consequências decorrentes de uma ditadura, cujo arbítrio pode atingir qualquer um, independentemente de sua posição política. O voto em Bolsonaro assemelhou-se mais a um grito de revolta contra um sistema político, que possibilitou a corrupção em níveis alarmantes.
O AI-5, editado no governo Costa e Silva - considerado um "golpe dentro do golpe" -, mostra claramente como uma ditadura pode atingir em cheio os direitos mais fundamentais dos cidadãos. Com a medida fechou-se o Congresso Nacional; suspenderam-se direitos políticos e garantias constitucionais, incluindo o habeas corpus; houve intervenção federal em estados e municípios; e deu-se ao presidente a prerrogativa de decretar estado de sítio, sem autorização do Congresso. O "fechamento" do regime impediu qualquer possibilidade de oposição legal, levando a que adversários do governo fossem perseguidos, torturados e mortos.
Mas, se há problemas na democracia - e eles existem - é preciso corrigi-los dentro dos marcos democráticos. Reconheça-se que, desde o fim da ditadura, os militares vêm cumprindo apropriadamente o seu papel constitucional. No entanto, é preciso estar sempre atento a qualquer sinal de retrocesso. Os atalhos, a história mostra, sempre levam a maus caminhos.
Foi essa perspectiva que a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), imprimiu ao seu discurso, quando a diplomação do presidente eleito, dando uma aula sobre o assunto. "A democracia é também exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças, sopesamento pacífico de ideias distintas, até mesmo antagônicas, sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários, muito menos tolher ou comprometer os direitos constitucionalmente assegurados", disse ela.
São esses princípios dos quais não se pode abrir mão, pois asseguram a liberdade, o respeito e o diálogo como forma de resolver divergências, o que seria impraticável em uma ditadura. A democracia e a liberdade são intocáveis, devendo ser asseguradas, em qualquer circunstância, a cada um e a todos os brasileiros.