Para começo de conversa, é falta de compaixão dificultar o medicamento derivado da maconha para quem sofre de doenças gravíssimas, incluindo velhos e crianças - como crises epiléticas e convulsivas, câncer, mal de Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla - cujos sintomas podem ser amenizados com o uso do canabidiol.
Depois, é preciso quebrar o tabu e a hipocrisia em relação aos entorpecentes ilícitos, em um País que celebra o álcool, até em aniversário de crianças. E o mais grave: é bem provável que a maioria dos bebedores tenha tomado seu primeiro gole em casa, no copo do papai. Para ser consequente, quem é contra a descriminalização, deveria incluir na mesma sentença a exigência para proibir a venda de bebidas alcoólicas. O álcool é uma droga "pesada", psicotrópico que atua no sistema nervoso central, podendo provocar dependência, alterações na percepção, no comportamento e na consciência.
Nesse assunto, o Brasil deveria imitar Portugal, que descriminalizou a posse e o consumo de todas as drogas em 2001, iniciando vitorioso programa - referência em todo o mundo -, voltado à prevenção e ao tratamento dos dependentes, o que reduziu o consumo e está evitando prisões desnecessárias e mortes.
Por que é tão difícil aceitar que seja estendido para outras drogas o mesmo relacionamento que a sociedade tem com o álcool? Existem os abstêmios, outros bebem "socialmente" e alguns enchem a cara no fim de semana. Porém, a imensa maioria estará na segunda-feira levando as crianças para a escola para depois dirigir-se ao trabalho.
Mais dia menos dia, as drogas sairão da ilegalidade, é inevitável. Porém, quanto mais tempo, mais sofrimento, mais pessoas estigmatizadas, mais prisões e a continuidade de uma insana (e perdida) "guerra às drogas", cujo resultado é o aumento cada vez maior da violência.
Plínio Bortolotti
plinio@opovo.com.br
Jornalista do O POVO