Mas há razões de fundo, mais determinantes. Como outros, eu estava certo ao apontar no início da campanha a parcela de responsabilidade dos candidatos democráticos pelo favoritismo de Bolsonaro quando, em artigo publicado neste espaço, defini como "uma grave omissão" a recusa em compreender o profundo anseio de ordem na sociedade e construir um discurso compatível com tal expectativa, admitindo, enfim, a condição excepcional em que o País se encontrava.
Declarar apoio à Lava Jato e mandar recado para bandido, como alguns fizeram, foi inútil diante do tsunami que já se erguia no horizonte. Nenhum candidato, exceto o vitorioso, deu àquele anseio uma resposta à altura de sua intensidade. Corrupção e criminalidade impulsionaram com tal força o vetor eleitoral que prioridades relacionadas ao quadro econômico foram relegadas a segundo plano.
Tudo isso foi parar numa conta única: a dos profissionais da política, com acento maior numa reação anti-PT, a experiência de poder mais recente e partido que contrariou compromissos éticos que nem de longe soube honrar. Elegendo Bolsonaro, aquele terço da população disse "não" a tudo isso e, com o desabafo, deu cheque em branco a um candidato que primou pela superficialidade em seu discurso e imprecisão nas suas propostas. Agora, é pagar pra ver.
Ricardo Alcântara
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Escritor e publicitário