Estimado leitor, somos milhares. Racionais e temporais, produzimos narrativas para os acontecimentos. Cada um concebe ou assume uma descrição dos eventos. Assim, há infindáveis relatos para explicar os sucessos da vida. Adotamos um roteiro explicativo preferencial, que nos parece traduzir melhor o significado dos fatos e a importância dos personagens. Alguns ainda agregam Deus e o acaso em sua interpretação.
Dia a dia, compartilhamos versões acerca da comédia humana. Conversas e discussões são meios para aperfeiçoar e depurar impressões, uma vez que a subjetividade por vezes falseia a percepção. Por isso é oportuno e saudável manter alguma desconfiança com relação ao próprio juízo, em paralelo à sustentação de argumentos diante de perspectivas diferentes da nossa.
No contraste da nossa representação individual do mundo, sempre insuficiente, e, por vezes, equivocada, com opiniões concorrentes e fundamentadas, que se decantam na sociedade, podemos reagir de duas formas, conforme nossa abertura ao aprendizado.
Primeiro, com humildade. Com essa postura, aproveita-se a ocasião para reajustar o próprio entendimento, falível e parcial. Se associado a motivações elevadas, é mais difícil ceder, porque se vincula a convicções. Todavia, a própria nobreza das aspirações facilitaria o desejo de correção e adaptação, sem abrir mão de intangíveis. O reposicionamento pressupõe flexibilidade de espírito, próprio da maturidade. Suporta-se natural desconforto de retificação, em favor do aprendizado. Resguarda-se o que de bom havia na experiência pretérita. Desse modo o indivíduo supera a si mesmo e se enriquece, ao tempo em que reforça o compromisso com a verdade e o engajamento na sociedade em que vive. Abre-se à colaboração com os demais.
Diversa reação nasce da soberba e do ressentimento. Nesse cenário, a pessoa perde razoabilidade ao não aceitar a realidade que concorre com sua visão. De modo infantil, afirma que o erro está nos outros, a despeito da solidez do argumento contrário ao seu. Isola-se em atitude de orgulho narcisista. Se o fenômeno se dá em atmosfera de grupo, reforça-se o sentimento de "eles" contra "nós". Forja labirinto de falsas análises, para sustentar sua posição.
Como a consciência cobra justificativa para a conduta, passa a se considerar "herói da resistência". A quê? A diversos inimigos imaginários, produzidos de modo quixotesco. Como cavaleiro acastelado, desfere golpes, por palavras e atitudes, contra tudo que esteja vinculado ao "outro lado". Sob tal atmosfera, alentada pela leitura ou audição seletivas, de viés confirmatório, e sem sincera abertura ao contraponto, convence-se de estar "do lado certo da História". O aplauso de seus iguais consolida a ilusão.
Na atual conjuntura pós eleições, creio, estamos assistindo a algo assim. Cidadãos em atmosfera de campanha vivem o pós eleições de modo fundamentalista, sem aceitar que possa haver acerto na ação de seu oponente. Doídos pela "derrota", dedicam-se a priori a atacar tudo que os vencedores façam. Perseguem moinhos de vento. De modo absolutamente irracional. Sem se darem conta, torcem contra o País.
Terminam por se conformar à gravura e frase de Goya: "o sono da razão produz monstros". Estão elas fazendo-se monstros. Oxalá possam acordar desse torpor, e, assim, ajudar na construção do País. Quiçá substituído em seu imaginário pela ideologia, pelo partido ou pelo ego. Afinal, somos todos brasileiros.
Antonio Jorge Pereira Jr
antoniojorge2000@gmail.com
Doutor e mestre em Direito - USP, professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Fortaleza - Unifor