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O peso de nossa amnésia
Opinião

O peso de nossa amnésia

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Tipo Notícia
Há uma ala especialmente dolorosa no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago, no Chile. Estão expostos desenhos e cartas de crianças que sofreram as agruras da ditadura militar que destroçou o País entre os anos de 1973 e 1990. São filhos endereçando seus garranchos a um Deus onipotente, buscando informações sobre o pai desaparecido; filhas que subscrevem o pedido das mães, clamando pela compaixão maternal da primeira-dama.

 

No mesmo espaço, o progresso da tragédia: a lembrança das 307 crianças e adolescentes assassinados no período (estima-se que pelo menos 2.200 sofreram prisão ou tortura). Sergio Williams, aprendiz de pedreiro de 14 anos. Rafael Antonio, estudante de 6 anos. Magla Evelyn, 2 anos. Paola Andrea, 4 meses. 

 

Carlos Fariña, de 13, foi preso em sua casa e só foi encontrado em 2000, o corpo queimado e com múltiplas marcas de bala. Elizabeth Contreras, de 14 anos e grávida, foi executada pela polícia depois de receber ordens para correr.

Há uma dor calada entre as paredes do Museu. Os visitantes falam baixo, quase arrastam os pés. A mesma dor se traduz em pesar e respeito por todo o território do país. Escondidos embaixo dos viadutos, no topo das serras, pequenos memoriais informais não deixam morrer a lembrança da ferida. A grande maioria dos chilenos parece disposta a carregar esse remorso.

 

Mas a grande maioria não é a totalidade. Nas eleições presidenciais de 2017, José Antonio Kast, candidato de direita extrema abertamente favorável ao indulto para repressores da ditadura, recebeu 7,9% dos votos válidos. Declarou sobre Augusto Pinochet, o ditador chileno: "Se estivesse vivo, votaria em mim". Kast agradeceu a votação que recebeu garantido que aquele seria "o começo de algo grande para o Chile".

 

Aqueles 7,9% assombraram muita gente. Sabem que esse número representa mais que um começo. Estão acompanhando a situação do Brasil com apreensão, buscam em nosso desgosto lições que possam aplicar por lá. Falam de fake news, manipulação, desilusão, amnésia coletiva. No próximo dia 28, também votaremos por aquelas crianças.

 

Jáder Santana 

jader.santana@opovo.com.br

jornalista O POVO

 

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