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A multidão de eleitores inexistentes
Opinião

A multidão de eleitores inexistentes

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As últimas pesquisas indicam que os candidatos precisarão conquistar alma a alma para se eleger, amansando rejeições ou convencendo indecisos. O resultado da eleição talvez dependa mais da burocracia que da campanha: mais de 5,6 milhões de eleitores não poderão votar por terem faltado à convocação da Justiça Eleitoral para o cadastramento biométrico obrigatório, conforme dados do TSE divulgados pelo Estadão. O cancelamento dos milhões de títulos tem o potencial de mudar o destino não só da disputa majoritária, mas também da composição dos Parlamentos. Por ignorância, boa parte desse eleitorado só saberá do cancelamento do seu título no dia da votação.

 

Os dados vieram à tona esta semana, depois que o PSB ajuizou ação no STF para garantir o direito de votar aos milhões de excluídos. O partido, que se manteve neutro na disputa presidencial, questiona o impacto dos cancelamentos na legitimidade das eleições. A ação revela um cenário dramático de violação de direitos políticos. Para que se tenha uma ideia da magnitude do impacto, a diferença de votos entre Dilma e Aécio no segundo turno de 2014 não ultrapassou os 3,5 milhões de votos, número inferior ao de cancelados.

 

O cadastramento biométrico tem sido realizado por etapas. No Ceará, eleitores de pelo menos 129 municípios já deveriam ter passado pelo procedimento. Os números demonstram, contudo, que uma parcela considerável de votantes deixou de atender à convocação, indicando que seria necessário mais tempo para implantar adequadamente a medida. O total de cancelamentos no Estado em 2018 chega a 614.377 títulos: 77,4% desse total por falta de cadastramento biométrico. A medida ainda não é obrigatória para os eleitores da Capital.

 

O Brasil é um exemplo mundial de eficiência em matéria de procedimento eleitoral. Graças à tecnologia, eleições com magnitude continental transcorrem com rapidez e segurança inigualáveis. O recurso à biometria busca a modernização do combate às fraudes e é louvável. A ação proposta no STF demonstra, contudo, que medidas mal planejadas, ainda que boas, podem violar direitos ao invés de assegurar a lisura. É intuitivo que o número maior de atingidos esteja entre eleitores com menor grau de instrução, em localidades onde o acesso à informação é precário. O risco à democracia é real num pleito que se decidirá voto a voto. Na tentativa de espantar eleitores fantasmas, acaba-se por criar, pela via burocrática, uma nova legião de excluídos.

 

Juliana Diniz 

julianacdcampos@gmail.com 

Doutora em Direito e professora da UFC 

 

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