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Onde faltou democracia, sobraram vaias e aplausos
Opinião

Onde faltou democracia, sobraram vaias e aplausos

Edição Impressa
Tipo Notícia

Guálter George

gualter@opovo.com.br

Editor de Política


Ciro Gomes merece elogios políticos pela postura que adotou na última quarta-feira, encarando uma plateia hostil ao participar do encontro com pré-candidatos à presidência da República organizado pela CNI para dizer que, eleito, submeterá a reforma trabalhista a uma rediscussão ampla, revendo o que for preciso rever. Assim é como as coisas precisam ser encaminhadas no debate eleitoral, de maneira clara, com algum esforço de eliminar dúvidas quanto à linha que adotará um governo que tenha o pedetista a liderá-lo. Claro que é sempre bom considerar a hipótese de ser um mero discurso de candidato, mas esta seria uma outra questão a discutir.


Um exímio malabarista das palavras, o ex-governador do Ceará tem na capacidade retórica a principal qualidade ressaltada, muitas vezes, até por quem não gosta dele. Uma virtude que, mal trabalhada, vira um defeito. No caso específico, porém, ressalte-se a disposição rara de colocar as convicções em debate e não ter medo de se expor diante de uma plateia que sabia ele, antecipadamente, reagiria mal. Ponto para Ciro, na perspectiva de quem prefere um debate eleitoral aberto, transparente e sincero.


Fica ainda a péssima impressão deixada por um público, que se acredita de nível, reagindo com vaias e de maneira indelicada, porque eram anfitriões, afinal, diante de um convidado que naquele momento apenas colocava o seu ponto de vista sobre uma questão importante ao momento do País, um tema que exige mesmo posicionamento de quem pretende governá-lo a partir de 1º de janeiro de 2019.


O episódio embute um grave problema de educação, da parte dos que engrossaram o coro de vaias (já que não foram todos os presentes), mas expõe um outro aspecto lamentável no espírito que pairava naquele espaço: a carência de democracia. Espera-se daquelas pessoas, como mínimo, a capacidade de ouvir o que eventualmente não lhes agrade sem perder a serenidade que o ambiente, tão aparentemente seletivo, parecia exigir. Ciro foi muito bem, inclusive, quando sustentou, já como resposta à ação surpreendente dos que o apupavam, que assim seria mesmo contra a vontade deles.


Ainda mais assustador é encontrar uma reação diferente, daquele mesmo público, naquele mesmo dia, em relação a um candidato que, sem conseguir tratar a sério temas fundamentais ao futuro do País, saiu a dizer coisas ofensivas e inaceitáveis durante sua participação no evento. Falo de Jair Bolsonaro, do PSL, de quem não se consegue extrair um só pensamento consequente sobre o que imagina como saída para os graves problemas brasileiros.


Como exemplo comparativo dramático, a mesma plateia que reagiu, parte dela, de maneira grosseira à fala de Ciro quando ele expunha suas críticas à reforma trabalhista do governo Michel Temer, silenciou, certamente até aplaudiu, é possível que timidamente tenha sorrido, quando Bolsonaro, em postura questionável, reforçava um discurso que busca minimizar a importância de se atuar por uma sociedade na qual as pessoas sejam capazes de manter respeito entre elas valorizando as diferenças e não criminalizando-as.


É possível que houvesse cearense naquele silêncio, quem sabe naquele aplauso, talvez até nos sorrisos, quando o pré-candidato do PSL, em trecho de sua fala aclamada, reclamou do “politicamente correto” que lhe impede, hoje, de fazer “piada com afrodescendentes, goianos, cearenses”. Como cearense, lamento que alguém que busque a presidência da República apresente pensamentos tão rasteiros sobre temas de tamanha seriedade e que podem atingir a sensibilidade das pessoas; como cidadão, preocupo-me profundamente.

 

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