Regina Ribeiro
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Jornalista do O POVO
Numa cena do filme O Baixio das bestas, do cineasta pernambucano Cláudio Assis, dois personagens conversam num velho cinema desativado em uma cidade do interior pernambucano. Pouco antes de uma das coisas mais horrorosas que eu já vi em termos de cinema, um deles afirma: “Sabe o que é o melhor do cinema? É que no cinema tu pode fazer o que tu quer”. Na polêmica cena a seguir o espectador se vê diante da personagem de Dira Paes sendo estuprada com um cabo de vassoura. Na época, muitos críticos questionaram os limites do cinema e blá, blá, blá. Cláudio Assis era incensado à época, hoje é criticado por machismo e misoginia.
Quando o cardeal Joseph Aloisius Ratzinger assumiu o papado como Bento XVI, Leonardo Boff escreveu um artigo narrando como Ratzinger, em nome do Vaticano, o havia imposto a um “silêncio obsequioso”. O Vaticano havia condenado a atuação do frade franciscano junto à Teologia da Libertação, também sob censura da Igreja Católica. Boff conta nesse artigo seus sentimentos diante da proibição de se expressar e dizer o que pensava a qualquer pessoa. No texto, fala também do desconforto de chamar o homem que o havia silenciado de Santo Papa.
Entre o absoluto da arte - repare que na arte deve-se levar em conta o procedimento – e o absoluto das hierarquias eclesiais, uma pergunta martela na minha cabeça desde que a juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Lebbos, proibiu o ex-presidente Lula de dar entrevistas. O que realmente fundamenta essa proibição diante da Lei? Numa perspectiva leiga, que é a minha, e que pode ser também a de milhões de brasileiros, parece muito absolutista essa decisão. O poder dizer e fazer tudo e o não poder fazer ou dizer nada são potências que circulam em polos distintos, no entanto, as duas possibilidades estão submetidas a um tipo específico de poder.
O ex-presidente Lula fora julgado numa circunstância em que a falta de provas materiais o condenou. Os juízes do TRF-4 entenderam que ausência de provas era justamente a prova necessária para que o crime pelo qual estava sendo julgado fosse cometido. A juíza Lebbos alega que o ex-presidente, como está condenado, encontra-se inelegível. No entanto, o TRE ainda não julgou se ele poderá ou não concorrer às eleições presidenciais.
Vamos lá, mesmo que houvesse montanhas de provas contra o ex-presidente, mesmo que ele fosse um réu confesso, mesmo que o TRE tivesse já decidido que ele não concorrerá, por que o ex-presidente não poderia dar uma entrevista? Qual exatamente o mal que isso traria ao País? Do ponto de vista econômico, social ou político? Qual convulsão ocorreria caso ele falasse? Quantas vidas a entrevista do ex-presidente ameaçaria? Eu li algumas matérias que abordavam o assunto, mas minha dúvida não cessa. Há realmente um motivo jurídico imperioso, essencial para essa proibição? Se há, alguém pode me explicar?
Da forma como a Justiça brasileira se comporta com o ex-presidente Lula, me parece, como leiga, que beira o absoluto. É como se não existisse razão. Que sequer necessitasse disso. Tudo depende de quem exerce o poder jurídico. Absoluto. As leis e suas prerrogativas, os direitos individuais, tudo isso pode não se aplicar ao condenado. A Justiça absoluta nos joga numa escuridão de dúvidas, num abismo de suposições.