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Crônica de um colapso anunciado
Opinião

Crônica de um colapso anunciado

Edição Impressa
Tipo Notícia

Jáder Santana

jader.santana@opovo.com.br

Editor do O POVO


Há um espectro de desilusão rondando a América Latina. Já são quase 90 os dias de revolta na Nicarágua. 250 mortos divulgados pela imprensa, enquanto a Associação Nicaraguense Pró Direitos Humanos atualiza o número para 310. No poder, ordenando as forças responsáveis por essas estatísticas, está Daniel Ortega, figura medular na Revolução Sandinista e presidente do país desde 2007. Do outro lado, a população insatisfeita com reformas promovidas na seguridade social e com a violência da polícia.


Nas redes sociais, já se pergunta se a Nicarágua será a próxima Venezuela. A analogia não é fútil. Os dois países, como vários outros do continente - incluindo Brasil e Argentina -, compartilham a especificidade de ter tido governos de esquerda de atuação destacada nas últimas décadas do século XX e início dos anos 2000. Chávez, com sua Revolução Bolivariana e a busca por um novo socialismo; e Ortega, filho de um sandinismo que ainda nos anos 1980 iniciou um polêmico projeto de reforma agrária e distribuição de riquezas.


As razões da frustração das populações variam, mas há correspondências entre os desencantos, sobretudo no que diz respeito à ausência de mudanças significativas no modelo de desenvolvimento: enquanto faltaram reformas estruturais, abundaram alianças com a direita e clientelismo político. O modelo, insustentável em um longo prazo, tornou-se algoz da própria esquerda.


Se a Venezuela chavista viu naufragar a certeza de que o valor dos seus preciosos recursos naturais sustentaria por tempo indefinido a ascensão de ricos e pobres, a Nicarágua de Ortega assistiu à promulgação, sem consulta às entidades patronais e associações sindicais, de reformas de seguridade social que terminariam por acentuar o desemprego e o trabalho informal.


No início desta semana, em um período de 24 horas, 17 mortes foram registradas em duas cidades do interior da Nicarágua. As forças de defesa intensificaram a repressão depois que, no sábado, Ortega declarou que pretende permanecer no poder até 2021. Os relatos de terror intensificaram a onda de repúdio contra o presidente. Perdida em sua própria arrogância, é a esquerda que colapsa.

 

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