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Beleza exorbitante
Opinião

Beleza exorbitante

Edição Impressa
Tipo Notícia

 

Regina Ribeiro

reginah_ribeiro@yahoo.com.br

Jornalista do O POVO

 

Tomei emprestado o título do livro do filósofo e crítico de arte, Jean Galard, para este artigo. Galard inicia o texto informando ao leitor que o ensaio teve início após ver, na Maison Européenne de la Photographie, em Paris, a exposição Êxodos, do fotógrafo Sebastião Salgado. Além do mal-estar pessoal, Galard começou a analisar as críticas desfavoráveis que o trabalho recebeu por transformar "tamanha desgraça" em algo belo demais.

 

A partir dessa reflexão, Jean Galard reúne em Beleza exorbitante, o conjunto de textos que discute a busca pela beleza na arte, mesmo quando o belo se refere a uma realidade brutal e, diante da obra arte, como somos levados, enquanto espectadores, a um outro patamar. Por isso, suportamos tanto as informações diárias que dão conta dos horrores do cotidiano quanto os belos filmes que retratam conflitos. Se meu ponto de partida me remeteu ao livro do filósofo francês, o de chegada quer discutir o contrário. Quando o ideal de beleza custa o horror e a morte.

 

Qualquer menina no Brasil sabe que encher uma calça jeans é algo socialmente desejável. Aliás, outro dia, fui a uma loja de vender manequins. Passado o primeiro impacto de ver aqueles exércitos de corpos plásticos femininos enfileirados, percebi o quanto de bunda havia nos bonecos inteiros ou nas metades. Perguntei à vendedora e ela concordou. "Mudaram. Agora estão todos assim. Ficam melhor nas calças e nos vestidos curtos. Ajuda a vender". Numa loja de lingerie, verifiquei a existência de calcinhas com bumbuns de espuma. Indaguei como era a procura. "É o que mais vende na loja". Quase não acreditei. Cada uma custava quase R$ 150 e tinha um formato horroroso.

 

Numa crônica famosa do jornalista Xico Sá, para a revista Trip, a bunda se transforma num personagem tão importante para o País, que é capaz de deixar no chinelo temas muito mais pungentes como futebol ou política. Após as notícias que rondam o médico, Denis Furtado, o Dr. Bumbum, li que as cirurgias de bumbum no Brasil estão crescendo cerca de 23%. De modo geral, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas, a gluteoplastia é um dos procedimentos mais procurados. O desejo é por bumbuns "grandes, avantajados mesmo". Nos Estados Unidos, a chamada "obsessão com o rabo" alcançou níveis alarmantes depois que Kim Kardashian incrementou as curvas na banda de trás. Enxertos, enchimentos, próteses. Não interessa. O importante é lançar mão do ícone máximo de beleza. O "bottoms up" é um fenômeno naquele país e o principal modelo é o Brazilian Butt Lift ou bumbum brasileiro. Aqui, temos o concurso Miss Bumbum.

 

Num dos sites que vende o procedimento, o texto convida: "Livre-se de um bumbum panqueca e venha ter os glúteos dos seus sonhos". Fiquei sabendo, então, que o belo máximo é o formato coração. Não importa o tamanho, precisa ficar bem redondo, firme e empinado. O horror desse belo é a necessidade extrema que ele suscita, capaz de levar à morte. No meio de uma luta feminina que quer aceitar o corpo como ele é, os cabelos como eles são, e a idade à medida que o tempo passa, ainda vemos alguns poucos médicos inescrupulosos que atendem meninas que esperneiam e batem o pé exigindo a beleza exorbitante dos peitões, boconas, bundões.

 

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