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Cidade portátil: O lugar vive na gente
Opinião

Cidade portátil: O lugar vive na gente

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Antônio Bandeira (1922-1967) guardou como imagem de cidade grande o Rio visto do navio chegando à Baía da Guanabara, anos de 1940, vindo de Fortaleza. A geometria dos grandes edifícios, arranha-céu. Vistos de longe. Caixas, cubos. Escala a embaralhar imensidão e pequenos formatos, familiar estranheza, vazios cheios. A parte mais conhecida da sua obra talvez seja a das pinturas de cidades, um atlas de cartas geográficas impactadas - e a nos impactar -, por descobertas, invenções e repertório do vivido pelo artista. A técnica como uma questão estética. Isso eu ouviria, leria, anos depois de olhar e voltar a olhar “Cidade queimada de sol” - sim, a Fortaleza -, na sala dedicada ao pintor no Museu de Arte da UFC. Um dos acervos públicos abrigados no Benfica.


Acervos da cidade, em frequências distintas, estão aqui em pauta.

Cito dois ou três. São bens públicos como a terra, a água, o ar; a paisagem; como o passado, o presente, o futuro. Domésticos, no sentido de feitos em casa, levo comigo acervos literalmente vivos.

Como o jardim de flores do deserto, também no bairro Benfica, cultivado por Simeão Veras Filho (1958-2017) e a calçada-de-casa-mata-urbana de onde a rezadeira dona Geralda da Silva Costa, de mais de 96 anos, tira folha para seu ofício e dá muda sem precisar você falar muito. Ela mora na Conselheiro Tristão já chegando na Praça Argentina. A casa acha você.


De vida que também não cessa de variar são feitos os altares na rua Barão de Aratanha quando da procissão de Nossa Senhora de Fátima, dias 13 de maio e de outubro. De curta duração, atravessam gerações, contam da invenção da cidade. Artesania com materiais de fontes diversas, como Bandeira a transformar em matéria-cor o flamboyant, encanto de uma vida inteira, e as fagulhas do metal incandescente que via na fundição do pai. Artistas são como os livros lidos, ouvidos, a nos convocar a olhar com olhos livres. Como se andar devagar, a vagar, fosse dos cotidianos possíveis na cidade, isso de passear no sentido de estar em contato físico e desarmado com o espaço e com as gentes, um alegre contágio, o texto finda para você começar a contar: que Fortaleza vive em você feito Cidade portátil?

 

Izabel Gurgel

izabelrosagurgel@gmail.com

Jornalista e ex-conselheira do O POVO
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