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A cidade que permanece
Opinião

A cidade que permanece

Edição Impressa
Tipo Notícia

Em frente à minha casa, bem diante da janela, há um prédio que já não tem vida. Tijolos substituíram o que um dia foi passagem e, assim, ele se fechou. Portas e janelas se tornaram parede. Não sei há quanto tempo, mas o prédio morreu. Virou uma caixa de tijolos, concreto e ferro abandonada em uma esquina. Acabou-se. Pelas marcas e escritos nas paredes, a mesma construção era dividida entre dois estabelecimentos comerciais e, um dia, em um dos lados, funcionou uma oficina mecânica. Do outro não dá para saber. E não me lembro de ter visto o local funcionar. Certo é que se transformou em espaço invisível na paisagem (e, a calçada virou estacionamento irregular).
 

Pela janela, aproveito uma fresta que existe entre a fachada e as telhas para olhar o que ficou lá dentro. Dá pra ver uma mesa. Sobre ela, uma garrafa de Coca-Cola guardando um líquido transparente. E só. Mesa e garrafa foram deixadas para trás. Coisas sem relevância num prédio sem relevância, um morto-vivo na Cidade que é vida, mudança, rapidez. 


O cenário me fez pensar sobre as contradições urbanas, a permanência numa terra de tantas derrubadas sem dó (de prédios a árvores) como Fortaleza. Até porque esse meu vizinho não é o único espaço cerrado por ali. Na região, o Centro de Fortaleza, muitos são os edifícios que viraram preenchimento de espaço, construção sem gentes. Em algumas ruas, são as casas com fachadas históricas as lacradas. As janelas emolduradas por arabescos viraram paredes. A Cidade se fecha. Deixa de ter locais vivos pelos cotidianos familiares, as convivências, as novas histórias.
 

Na Fortaleza que só sabe ser mudança brusca, esses locais terminados destoam. Ficam e rompem com a lógica, numa ruptura curiosa e controversa —estão, mas não estão. Nem as redes de farmácias os querem (será?). A permanência de um prédio diante da minha casa poderia ser positiva, motivo de orgulho (“ufa, não derrubaram”), mas não é assim que eu a sinto porque ela envolve os tijolos nas portas e janelas. A paisagem se enfeia. E o que poderia seguir sendo movimento e vida se foi. Assim, a Cidade que existia fica guardada num passado vedado.

 

Mariana Lazari
marianalazari@opovo.com.br
Jornalista
do O POVO

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