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Redes sociais, este espaço onde a crueldade desfila
Opinião

Redes sociais, este espaço onde a crueldade desfila

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Tipo Notícia

No afã de buscar todas as fontes disponíveis para entender melhor a tragédia que acontecera no Rio de Janeiro na noite de quarta-feira, com o bárbaro assassinato de uma vereadora do Psol, tive, ontem, a infeliz ideia de fazer incursão por uma área das redes sociais que pouco frequento: a dos comentários. Põe infeliz nisso, porque o que encontrei expõe uma crueldade da alma humana que não me sinto preparado para encarar, independente das boas dezenas de anos de vida que acumulo. Tinha uma ideia clara de que era assim, razão pela qual sempre opto por manter distância do espaço, mas o que encontrei vai muito além do que desconfiava acontecer e do que considero aceitável suportar. É, literalmente, de fazer chorar quem ainda crê nas chances de reencontro do caminho da racionalidade, da solidariedade e da convivência respeitosa entre diferentes.

O episódio dramático envolvia uma uma representante política que tinha lado, é verdade, e que defendia suas teses com vigor e com clareza nos espaços de debate por onde se fazia ouvir. É crime ser assim? Pelo contrário, a postura, com equívocos eventuais que apresente, expõe a coragem de uma pessoa com mandato popular que se submeteu a riscos que sabia suficientes para levarem até à sua morte para sustentar as causas nas quais acreditava. 

 

Apenas por isso já deveria merecer respeito, concordando com suas ideias ou discordando delas, dentro de um mundo em que as posições mudam conforme conveniências ligadas a interesses menores, apenas de natureza material não raro. Este, porém, é um outro debate.  

O tema aqui proposto é a crueldade deste ambiente de interatividade alimentado por um interesse generalizado e incontido de dar opinião, mesmo aquela que pouco ou nada agrega. O que não é, em si, o maior problema.  

 

Ruim é encontrar ali coisa absurda e gratuitamente agressiva de gente que não gostava da vereadora, direito que lhe era garantido, através de comentários racistas, misóginos, homofóbicos. Uma boa parte, possivelmente, ouvia falar de Marielle Franco pela primeira vez e, certamente, alguns minutos antes de tomar conhecimento de sua morte estúpida não tinha condições sequer de descrevê-la fisicamente.  

A maioria é formada por robôs, não há necessariamente braços e mentes humanas por trás de cada mensagem que encontramos vinculados a comentários inacreditáveis, o que não reduz em nada a dor que toda situação é capaz de causar. Desrespeita-se uma família que chora a perda de um ente, apenas porque a vítima pensa o mundo, e as soluções para seus problemas, de uma forma diferente. É irracional demais isso para não causar um sentimento misturado de inquietação, desconforto e desânimo.  

Os registros que encontrei de uma quase comemoração pela morte da vereadora nas redes sociais denunciam aquilo que sabemos, embora resistamos a aceitar: a sociedade está doente. Alguém que pense diferente de mim em circunstância nenhuma pode merecer qualquer manifestação de felicidade por ter sido vítima de um assassinato, mais ainda quando a violência dá-se no nível que apresentou o episódio que levou à morte da jovem vereadora carioca. Sem que voltemos a respeitar as saudáveis diferenças entre nós não há como encontrar o caminho da cura.

 

Guálter George gualter@opovo.com.br Editor-executivo de Política  

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