Logo O POVO+
Manual para fotografar as nuvens
Opinião

Manual para fotografar as nuvens

Edição Impressa
Tipo Notícia


Dos clichês que abundam no Instagram, um emociona mais do que qualquer prato ou selfie: uma fotografia que aponta para o céu. Nem precisa ser um pôr-do-sol daqueles exagerados e apoteóticos. Gosto do azulzinho simples, da coleção de nuvens, de um pássaro à toa, do avião que traça uma cicatriz.

Há dois caminhos para fotografar o infinito. O primeiro exige um movimento desaprendido com o passar dos anos e o aumento dos celulares: olhar para cima. Com leveza, você pode arriscar mover o pescoço em direção oposta à habitual e procurar um rastro, uma razão que mora nas nuvens. Demore na contemplação. Levante uma das mãos como quem faz um carinho no rosto de alguém. Suave, contorne uma nuvem, ligue os pontos e as estrelas. Só depois, bem depois, você aperta o botão. Ou nem mesmo depois. 

O segundo caminho é o espanto. Sem hora marcada, sem planejamento, sem manuais, conselhos ou joguinhos, o céu aparecerá como um elo ancestral que nos conecta a todos os mistérios da humanidade. De repente, você lembrará das mensagens não respondidas porque não teve tempo, ou não o inventou, sentirá saudades repentinas de algo que ainda vai acontecer. Lembrará que já viu aquilo antes no Instagram de alguém que também foi surpreendido por um milagre ordinário. É bonito saber que ainda existe quem enxerga o céu.  

Enquanto escrevo, a amiga e irmã Tatiana Lima viaja pela primeira vez para o outro lado do Atlântico e o deadline não me permite balançar o lenço no portão de embarque. Já no céu, imagino que olhará para a Fortaleza iluminada e também ficará acesa. Lá de cima, Galeano soprará no ouvido dela que "o mundo é isso: um monte de gente, um mar de foguinhos". Nas nuvens, talvez faça uma fotografia e entenda algo novo. Ou apenas encoste a mão na janela e, ao tomar distâncias, descubra sentidos para aquilo que permanece ao lado, mesmo quando a gente atravessa o mundo.

 

Iana Soares ianasoares@opovo.com.br Editora do O POVO

O que você achou desse conteúdo?