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Hora de romper com o que não tem graça
Opinião

Hora de romper com o que não tem graça

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Tipo Notícia

Faz um tempo, tomei uma decisão para a vida: não rir mais daquilo que não tem graça. Decidi que não valia nem aquele riso amarelo que nos obrigamos a esboçar para evitar um clima ruim. Não é fácil, mas me convenci de que, se algo me deixava sem graça, não seria meu papel tirar o piadista de mau gosto do constrangimento. É que algumas “brincadeiras” expressam e perpetuam ofensas cotidianas. O que nos faz rir diz muito sobre quem somos.
 

Nos últimos dias, fiquei imaginando como me sentiria se estivesse na sala de aula do curso de Agronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC), quando o professor empurrou três vezes uma aluna de 16 anos para “explicar” um conceito de Física. Ao usar a força, com a estudante de costas para ele, disse que “ela gosta”, “porrada por trás sempre é gostoso”. Uma cena tão absurda, mas real para muitas mulheres que já foram alvo de assédio por professores. Senti-me pior ainda ao me colocar no lugar da adolescente.
 

Depois que a jovem, ao lado da mãe, delegada, encorajou-se a registrar boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher e o caso veio à imprensa, outras alunas do curso comentaram sobre como “brincadeiras” do tipo foram naturalizadas. Como o relato da bolsista que era subjugada por ser mulher. O professor disse que a levaria ao congresso para “mostrar que tem estudante gostosa na Física”. Estava rebaixado o mérito acadêmico.
 

Não é surpresa que tais condutas até hoje despertem risos em sala de aula, ainda que motivados pela surrealidade da cena, protagonizada por um educador (!). O problema é que a gargalhada significa aprovação e encoraja. A omissão também.
 

Mas algo me vale de alento: vivemos um momento de ruptura. O incômodo existe. O boletim de ocorrência registrado pela adolescente é um marco. Tem a força do exemplo. Expressa que já passou o tempo de rir de comentários que apequenam a figura feminina, que a resumem a objeto do gozo alheio. Após o boletim de ocorrência, o professor se afastou das atividades. A UFC pediu celeridade na sindicância que apura o assédio. Que a resposta da instituição seja também exemplar.

 

Lucinthya Gomes
lucinthya@opovo.com.br
Editora de Política

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