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A morte de Marielle e a sangria de um açude
Opinião

A morte de Marielle e a sangria de um açude

Edição Impressa
Tipo Notícia

Os quatro tiros que executaram Marielle Franco, na noite de quarta-feira, no Rio de Janeiro, só chegaram em mim na manhã seguinte e fizeram do dia inteiro uma angústia. Até aí não conhecia Marielle. Mulher, preta, favelada, lésbica, mãe, militante pelos Direitos Humanos e uma fortaleza que entalou a garganta e me fez reconhecer a Marielle. Sei dessa vulnerabilidade do que é ser mulher preta de periferia. Infelizmente, conheço o racismo, conheço a homofobia, conheço o assédio, conheço o preconceito social; e conheço também a resistência. 

Ainda, ontem, sem introdução nem explicações anteriores, recebi de uma amiga uma mensagem que se inciou e finalizou com o questionamento sobre como eu estava. Vi também no olho de muitas mulheres a indignação entalada que mais parece um desses açudes perto da sangria. É, eu conhecia  Marielle e sigo devastada.  

Moradora da favela da Maré, a parlamentar trazia para as discussões políticas aspectos fundamentais para autonomia e vida de pessoas cerceadas de oportunidades em uma sociedade truculenta que extermina jovens negros de periferia como numa guerra. Há dias, Marielle denunciava as ações da intervenção militar na capital carioca e a ação de PMs na comunidade do Acari, na Zona Norte da cidade.  

O assassinato de Marielle e o contexto da morte dela é assustador e extremamente grave social e politicamente. Afeta as possibilidades de voz, de exercício da democracia, é uma bala que segue ecoando em nossas cabeças. 

Horas antes da morte, ela estava num encontro chamado “Mulheres negras movendo estruturas”. Me arrepia pensar na força revolucionária de um monte de preta junto pensando possibilidades de existência e resistência. Estou ainda com a angústia que vi ontem nos olhos das mulheres que amo, mas lembrei também que um açude perto da sangria é sempre um terreno fértil de muita luta que está para nascer. Em mim e em muitas mulheres, Marielle Franco está cada vez mais presente. 

 

Eduarda Talicy eduardatalicy@opovo.com.br Jornalista do O POVO

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