Dois deles estão na primeira versão sujeita a centenas de alterações. Ou à aposta nos concursos, com autoridade para me dizer que estão prontos. O terceiro deles sofre a irregularidade de um processo criativo em que dou um passo pra frente e quatro para trás.
Raras vezes foi diferente. Aquela primeira publicação, por exemplo, esperou 20 anos até um vento soltar as páginas da gaveta. Ele veio, invadiu as minhas histórias, desarrumou o penteado das palavras, devastou os meus canteiros, arrancou as mudas frágeis com raiz e tudo, trocou as coisas de lugar.
E continua a soprar. Às vezes, se acompanha de dias quentes, ensolarados, com um céu azul cortado por rasantes de arraias coloridas. Outras vezes, traz o temporal. Chovem grossos pingos de uma água infindável.
Escrever é se render ao vento interno. Entregar-se à brisa brincando nos livros guardados em cada pessoa, ventando de dentro para fora, formando o redemoinho que uma hora se solta. E não se pode mais segurar.
Acostumei-me à desordem da ventania, às muitas vidas paralelas, aos enredos entrelaçados, aos fios narrativos compondo a trama de um tecido que o ar engravida e carrega oceano à fora em desconhecida direção.
Cada livro é uma jangada em mar aberto. E me deixo levar. Não tento conter. Não ouso enfrentar. Não subestimo essa força da natureza.
No Ceará os ventos são intensos. E os que sopram por dentro são ainda mais.
O meu começou de repente. E, de repente, pode sossegar, no silêncio em que tomarei as palavras desgrenhadas na tentativa vã de penteá-las, no esforço inútil de replantar as mudas arrancadas e de recolocar as coisas no lugar.
Nada será como antes dessa energia eólica iluminar meu pensamento e meu caminho.
Por isso, escrevo. Porque, no momento, tenho esse vento aqui a me empurrar.
Marília Lovatel
marilia.lovatel@fariasbrito.com.brEscritora