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Artigos. Já era, Pollyanna
Opinião

Artigos. Já era, Pollyanna

Edição Impressa
Tipo Notícia


Faço um esforço cotidiano para me apegar a narrativas de esperança. Isso explica minha empolgação com uma publicação que recebi, na última semana, da Fundação Itaú Social. Com o título Novos fluxos na busca por oportunidades: Trajetórias de jovens nas periferias da cidade, o estudo apresenta um panorama de como as juventudes estão ocupando espaços.


A pesquisa (que pode ser lida aqui: goo.gl/y5B8AP) traz lições tiradas de movimentos como ocupações de escolas e rolezinhos. O PDF do livro estava aberto quando soube da chacina das Cajazeiras e o primeiro impulso foi fechar a página da publicação. Peço desculpas à Pollyanna, essa personagem da literatura infantil que vez por outra fala ao meu ouvido. Em algumas situações, não dá pra fazer o jogo do contente (como ensina a menina criada pela autora Eleanor Porter).
 

Comecei a pensar naquelas pessoas assassinadas e em todas as outras diretamente impactadas pelo crime. Quando 14 pessoas morrem num ato como esse, uma cidade inteira morre junto. Me pergunto: como os jovens que estavam no Forró do Gago poderiam “inventar estratégias” mesmo vivendo entre facções e um poder púbico que não encara os fatos com a complexidade exigida? Sinceramente não sei.
 

Não voltei ao livro do Itaú Social. E, nesse meio tempo, não paro de descobrir narrativas que só empurram essa juventude brasileira para baixo (Tá vendo, Polly?). A última foi a notícia de que uma marca de roupa paulista lançou coleção com estampa da antiga Febem, espaço onde sabidamente muitos jovens foram torturados. A grife tirou a roupa de circulação, pediu desculpas e explicou que a proposta da coleção era relembrar uniformes que marcaram o País. Parece piada.


Numa página de jornal como esta fica lindo ler discursos de resistência e empoderamento periférico. Na prática, só consigo pensar que, entre chacinas e grifes da Febem, é um peso enorme pro jovem periférico se manter vivo e ainda ter força para pensar estratégias de ocupação do espaço urbano. Mesmo assim, deixei o livro Novos Fluxos no meu computador. Tal hora faço as pazes com a Pollyanna e volto à leitura .

 

Renato Abê
orenatoabe@gmail.com
Jornalista do O POVO

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