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André Haguette: É a renda, não a escola
Opinião

André Haguette: É a renda, não a escola

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Se há uma verdade na sociologia da educação é que a escola não elimina a desigualdade social que vem do berço. A escola tende a ser reprodutora das divisões existentes na sociedade. É o caso de repetir a sabedoria popular: “tal pai, tal filho”. Pai rico, filho altamente escolarizado; pai pobre, filho com baixa escolaridade. Como escreve Érica Fraga, “existe uma barreira intergeracional para o acréscimo de escolaridade, dependendo da educação paterna... Apenas 4,6% da população brasileira de 25 a 65 anos cujos pais não tiveram nenhuma instrução formal conseguiram chegar ao ensino superior”. Continuamos a ignorar, voluntária e comodamente, essa evidência. Cultivamos a ilusão de que a qualidade da aprendizagem depende da escola e que o nosso atual sistema dual, uma escola pobre para pobres e uma escola rica para ricos, vai resolver nosso congenital problema de desigualdade e de baixa produtividade no trabalho. Sabem quando a escola pública que recebe alunos de famílias carentes poderá alcançar o nível de aprendizagem dos alunos de famílias ricas da escola particular “top”? Nunca! Porque a variável “qualidade escolar” é espúria, isto é, aparente, enganosa; por detrás dela, há uma outra que influi diretamente, embora se esconda: a renda, o “nível de renda familiar”! Renda média e alta, pais altamente escolarizados; renda baixa ou precária, escolaridade baixa dos pais e consequentemente dos filhos! Isto é, a família influi mais na qualidade da aprendizagem do que a escola, contrariando toda a “fake” propaganda das escolas particulares.


Estamos sempre prontos a dar sugestões para melhorar o ensino da escola pública, mas esquecemos que essa escola reúne filhos de pais pobres, pouco escolarizados e que encontra logo um teto quase que invencível. E isso não somente no Brasil, mas em todo o mundo, embora aqui a distância entre os grupos de renda seja dramática, ao ponto que os pais não querem que seus filhos, geralmente brancos, convivam na mesma escola com os filhos dos pobres, geralmente pardos ou pretos. Nosso problema, portanto, antes de ser escolar é estrutural e somente se resolverá em parte com políticas capazes de elevar a renda familiar, o que terá um efeito direto sobre a aprendizagem dos filhos. Cuidar dos pais deve ser uma prioridade, tanto elevando sua renda e sua escolaridade quanto ajudando-os a entender o valor de uma boa escola para seus filhos. Filhos de famílias pobres que sobem na pirâmide social tendem a ser filhos de pais que lutam pelo estudo dos filhos, coisa que não tiveram.


Estudos mostram que 21% dos filhos de pobres vão para o topo da pirâmide social, o que, se não é desprezível, é nitidamente insuficiente.

Evidentemente, a solução ideal seria um sistema escolar único, reunindo na mesma escola alunos de diferentes backgrounds econômicos e culturais.


Não nos iludamos. Não é a escola particular que é boa e a escola pública que é fraca; é a desigualdade de renda que é insuportável, provocando distorções escolares e produtivas, além da evidente sujeição de uma classe à outra com consequente violência de ambas as partes. 

 

André Haguette
haguetteandre@gmail.com.br
Sociólogo e professor titular da UFC

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