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Renato Abê: O perigo da "lacração"
Opinião

Renato Abê: O perigo da "lacração"

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A música pop brasileira vive um momento de ascensão. Em sintonia com o mercado fonográfico internacional, o País está sendo puxado pela relevância de artistas como a carioca Anitta e, assim, muitos nomes têm conseguido voo altos. Crescendo em números e cifras, o pop, porém, não tem visto essa maturação refletida em discursos de alguns intérpretes. Exemplo disso é o single Lacradora, recém-lançado pela cantora Cláudia Leitte em parceria com a dupla Maiara e Maraisa, que vêm respectivamente do axé e do sertanejo, mas que fincam os pés no pop.


A letra traz mais uma vez o discurso de “pisar nas inimigas”, “lacrar com a cara delas” e todos esses chavões que a gente já não aguenta mais ler no Facebook. “Copo na mão/ E as inimigas no chão/ Claudinha lacradora/ Dando nas recalcadas/ Enquanto a gente brinda/ Elas tomam pisão”. Num momento que tanto se fala na importância da união entre as chamadas minorias, é muito contraproducente ouvir versos como esses tocando nas rádios.


Infelizmente a cantora de Baldin de gelo não é a única com esse discurso. Hits dos últimos anos do pop vêm perpetuando essa temática de mulheres contra mulheres. Ludmilla canta em 24 horas por dia: “Mandada safadinha eu já descobri seu truque/ Pra saber da minha vida, não sai do meu Facebook”. Valesca afronta em Eu Sou a Diva que Você Quer Copiar: “Abre o olho senão eu te pego/ E te dou uma escovada / Toma vergonha na cara/ Sai pra lá, falsificada”.


Longe de mim querer ditar regras sobre o que pode ou não estar na música. Só penso nas possibilidades de reforçar representatividades e empoderamentos que estamos perdendo no cenário pop. Prefiro ficar com o discurso da “novata” Iza, que, em entrevista ao Lázaro Ramos, falou sobre o assunto. “Quando outras mulheres cantam para outras mulheres falando sobre recalque, sobre competição, sobre inimigas, só piora para a gente. Eu estou em construção, eu acho que todo artista evolui, mas isso é uma coisa que eu nunca vou cantar, porque machuca, é cruel demais”.

 

Renato Abê

orenatoabe@gmail.com
Jornalista do O POVO

 

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