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Paulo Elpídio de Menezes Neto: "Com quantas ideias e quanta ciência se faz uma universidade?"
Opinião

Paulo Elpídio de Menezes Neto: "Com quantas ideias e quanta ciência se faz uma universidade?"

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Começo trazendo Bernard Shaw pela mão: “Aquilo em que ninguém crê deve ser demonstrado tantas vezes quanto possível”. É da índole dos humanos valerem-se do paradoxo para explicar o que não entendemos. A Chesterton, em meio a muitas contravenções lógicas que lhe apetecia explorar, parecia-lhe que o homem era “o único animal que criava dogmas”.


Umberto Eco situa no ano de 1088 a fundação da Universidade de Bolonha (a primeira universidade do mundo ocidental), quando a Europa não portava, ainda, valores políticos estratificados no poder de Estados organizados. Não foram poucos os riscos que a universidade correu e a ameaçam, ainda, transcorrido mais de um milênio de tantas conquistas e pelejas, assédios e batalhas vãs. Lembra Eco que a quebra de velhos estereótipos criados na intimidade da Alma Mater favoreceu a adoção de novas “revelações”, cujo caráter desperta velhos dogmas da fé e do Estado, dos quais a universidade tentou desvencilhar-se, valida do amparo incerto e frágil da “autonomia” que lhe tem sido negada no curso dos tempos. Para o sábio italiano, o combate que se trava na universidade, cinge-se – e não parece pequeno esse desafio – à “scientia” e à “pietas”, a interminável luta pelo saber e o respeito pelo dever.


A universidade como fruto de toda criação humana é um espelho, traz o reflexo da imagem de seu tempo, dos anseios, circunstâncias e perspectivas sociais – dirão algumas vozes inquietas, reprovando, por antecipação, quaisquer laivos de heresia conservadora que possam ser encontrados nessas imprudentes ponderações. Certamente, a universidade não é uma ilha; mas que nela não desembarquem e finquem bandeiras os dogmas das ideologias peregrinas que frustram e impedem o esforço por aprender, pensar e fazer. Custou muito à universidade e aos que nelas investiram talento, disciplina e expectativas, ao longo de mais de 12 séculos, para livrarem-se do domínio terreno das forças da fé religiosa, romperem as amarras da censura intelectual, escapar ao cerceamento político e ao domínio ancestral das elites. Não seria razoável, mas certamente trágico, que esses espaços de liberdade, do cultivo do saber e do fazer fossem sacrificados ou mutilados pela intolerância dissimulada do redentorismo que a tantas criaturas encanta e motiva em seus arroubos missionários.


A consciência crítica que viceja na universidade contra fatores e circunstâncias externos que a pressionam, no plano do seu magistério, quanto no da pesquisa, e no cotidiano de sua gestão, deve corresponder à capacidade de desenvolver o autoexame, como prática regular e estratégica, e a capacidade de dar forma a um sistema de “governança” institucional que promova o planejamento e a definição de objetos, objetivos e prioridades para o cumprimento de sua missão. Quanto às nossas liberdades individuais, que Deus as guarde e preserve – e o faça com desvelo, que por esquecê-las poderemos chegar ao ponto da salvação que nos prometem obsequiosamente os profetas das nossas desventuras.

 

Paulo Elpídio de Menezes Neto

pedmn@globo.com

Cientista político

 

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