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José Raimundo Carvalho: "No longo prazo, todos estaremos mortos": como o Ceará se tornou um campeão de homicídios?
Opinião

José Raimundo Carvalho: "No longo prazo, todos estaremos mortos": como o Ceará se tornou um campeão de homicídios?

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Em apenas uma década (2005-2015), o Ceará se tornou o segundo estado mais violento do País (42,20 homicídios por 100 mil pessoas), atrás de Alagoas (49,40), e bem à frente do Rio de Janeiro (23,60). No início de 2016, houve uma pequena redução na criminalidade, para em seguida experimentarmos uma onda de homicídios assustadora e sem precedentes que perdura até o presente. O que aconteceu?


Todo governo começa com a responsabilidade da história que o precede. Infelizmente, o atual negligenciou evidências e errou: (i) subestimou a consolidação do tráfico de drogas, que nos transformou em um ponto estratégico para a distribuição nacional e internacional de drogas; (ii) não percebeu a inadequação da “Prevenção Social” em produzir resultados de curto e médio prazos; (iii) manteve baixo o nível de investimento público; (iv) descartou técnicas modernas de microgestão; e (v) desmontou a polícia comunitária (Ronda), uma experiência a ser aperfeiçoada. Essa teia de erros culminou em um plano de segurança pública fraco, o “Ceará Pacífico”, que, além de ser influenciado por doutrinas e práticas pífias, possui foco exagerado no longo prazo, é ineficaz e mostra atrasos flagrantes.


O que fazer? Data maxima venia, ofereço sugestões de curto prazo, deixando as de longo prazo para outra ocasião. O governo deve, primeiro, se responsabilizar pela crise e deixar de imaturidade, como dizer que morrem apenas pessoas “envolvidas com o tráfico” ou que o homicídio é alto porque “somente aqui se calculam estatísticas corretamente”. É preciso, portanto, assumir a sombria e difícil tarefa de conter o homicídio no curto prazo, absorvendo o Princípio 1 das gestões de segurança - “A missão básica para a qual a polícia existe é prevenir o crime e a desordem”. Reuniões periódicas sobre indicadores criminais, comandadas pelo governador, criação de grupos de inteligência prisional e de um sistema de mapeamento de suspeitos, tolerância zero à alocação de insumos para fins que não sejam de segurança pública e política inteligente de saturação de hot spots são outras sugestões que podem salvar os que ainda estão vivos.

Políticas sociais e econômicas podem diminuir o homicídio, mas atuam somente no longo prazo.


As medidas anunciadas recentemente pelo governador para enfrentar a maior crise de segurança pública do Ceará beiram a incoerência inócua (criar de uma superintendência de gestão de informação e análise criminal), a mais pura irrelevância (adquirir equipamentos sem policiais para fazê-los funcionar), e culminam em uma mistura pouco responsável de pirotecnia eleitoreira e megalomania tóxica (fazer da segurança pública do Ceará a “melhor do Brasil”).


Segurança Pública não é para amadores nem para experimentadores sociais irresponsáveis, burocratas transvestidos de intelectuais, ou soluções “em pó”. É lugar para uma ação baseada em ciência, fatos, estatísticas, modelos, otimização, análise criminal, ou seja, tudo o que já perdi a esperança de ver na gestão do Sr. Camilo Santana.

 

José Raimundo Carvalho

josecarv@ufc.br

PhD em Economia (Pennsylvania State University, USA);

Caen/UFC – Pós-graduação em Economia da UFC, pesquisador do CNPq & coordenador do LECO, UFC; chefe da Assessoria de Análise Estatística e Criminal da SSPDS/CE (2009–2013)

 

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