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Renato Abê: "Um oásis, um alento"
Opinião

Renato Abê: "Um oásis, um alento"

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Noite do último domingo. Pouco mais de uma centena de espectadores reunidos no teatro do Centro Dragão do Mar. No centro daquela cena intimista estão dois artistas com seus cabelos brancos e suas muitas histórias de resistência. Cada um deles já tem mais de 40 anos de carreira: ele no teatro, ela na dança. Sentado no chão (porque as cadeiras já lotaram), eu assisto, num misto de orgulho e inquietação, ao espetáculo que é a existência dessas duas forças da nossa cultura.


Ricardo Guilherme e Silvia Moura estão agora juntos num experimento chamado Proibido dançar. Antes disso, eles já estiveram juntos na chamada “lista negra” de artistas que não poderiam receber incentivo público por serem subversivos demais. Naquele país de militares, os artistas viviam a censura de perto. Neste país de Michel Temer, infelizmente estamos revivendo o anacronismo da vigilância. Silvia sabe disso e, no fim da apresentação, ela, emocionada, fala sobre a possibilidade de estar ali: “Diante do que a gente vive, é um oásis, um alento”.


A bailarina foi certeira. É um oásis, é um alento. Ainda mais se consideramos que a apresentação aconteceu na 11ª do For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual. Evento encabeçado na cara e na coragem por Verônica Guedes e que, apesar de já firmado nacionalmente, acontece este ano muito pela ajuda financeira de parceiros dos organizadores, pois a verba da Secretaria da Cultura do Estado (Secult) só sairá após a realização da programação.


Mesmo sabendo que aqueles dois podem não receber um centavo para estar ali, eu só consigo celebrar a potência que Ricardo e Silvia representam. Eles trazem nas costas muita gente que vivencia a arte nesta Fortaleza de poucas possibilidades. E mesmo vivendo na nação onde o “mercado” já considera apoiar o retrocesso de um Bolsonaro (como publicou a Folha de S. Paulo naquele mesmo domingo) ou onde Judith Butler é agredida em aeroporto, Ricardo e Silvia continuarão dançando. Besta é quem tentar pará-los.

 

Renato Abê

renatoabe@gmail.com
Jornalista do O POVO

 

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