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Regina Ribeiro: "Lendo Lolita no Brasil"
Opinião

Regina Ribeiro: "Lendo Lolita no Brasil"

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O título deste artigo é uma referência direta ao livro da escritora Azar Nafisi, de quem ouvi uma palestra na sua passagem pelo Rio, há alguns anos. Foi minha primeira vez diante de um adulto que narrava a experiência da proibição da leitura. Nasifi, professora universitária em Teerã, se reunia secretamente com alunos para ler os clássicos proibidos pelo regime iraniano. Por ocasião da visita, Nasifi fez duras críticas ao ex-presidente Lula, que à época havia se aproximado de Teerã numa tentativa de mediação de um acordo em torno das armas nucleares. Para a escritora, o governo brasileiro daria melhor contribuição ao mundo se observasse melhor a realidade das mulheres iranianas.

 

A lembrança de Lendo Lolita em Teerã chegou-me hoje cedinho enquanto era informada de dois livros infantis retirados de circulação no Brasil após pressão de grupos de direita e esquerda. Peppa, de Silvana Rando, é uma deles. Conta a história de uma menina que tinha cabelos crespos e volumosos que decide alisá-los, mas, quando isso acontece, não pode mais entrar na piscina, brincar e por aí vai. A autora foi tachada de racista e o livro julgado inadequado para crianças. O outro, Enquanto o sono não vem, de José Mauro Brant, faz uma releitura de contos medievais. O livro foi acusado de pedófilo e recolhido das escolas.


O Brasil é um país de paradoxos. Enquanto grupos de direita e esquerda usam e abusam das mídias sociais para condenar livros e autores, exposições e artistas, um dos mais graves problemas desta Nação, é justamente a não leitura. E a minha maior preocupação hoje é com o estado de interdição que paira sobre as nossas cabeças. A leitura e os livros são a prática social e os objetos mais lembrados pelos tiranos.


A revolução chinesa queimou milhões de livros em praças públicas e incentivava seus cidadãos a fizerem o mesmo. Na União Soviética, livros e autores foram classificados como inimigos do povo. Na Espanha de Franco, na Itália de Mussolini, no Portugal de Salazar, livros foram considerados um perigo e sua leitura, grave subversão. No Brasil dos militares, foi criado um robusto sistema de censura que alcançou livros, jornais, teatro, música. Fico perplexa com o tamanho da ignorância que defende o cerceamento das liberdades por meio desse frenesi histérico das redes.


Regina Ribeiro

reginah_ribeiro@yahoo.com.br
Jornalista do O POVO
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