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Editorial: Mártires da intolerância e exploração
Opinião

Editorial: Mártires da intolerância e exploração

Que a memória do crime inominável cometido contra os inocentes sirva de alerta
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Neste domingo, foram canonizados pelo papa Francisco, em Roma, os chamados “mártires de Cunhaú e Uruaçú”, ou “protomártires do Brasil”, resultantes de duas chacinas que somaram 150 vítimas (apenas 30 foram identificadas), em 1645, no atual território do Rio Grande do Norte - na época, sob o domínio dos holandeses. Em casos de martírio pela fé, não são exigidos milagres para a comprovação de santidade. O critério adotado, nesse caso específico, foi a antiguidade do martírio e a perpetuidade da devoção do povo aos mártires.


No primeiro dos episódios, os habitantes do engenho Cunhaú, foram avisados de que deveriam comparecer à missa de domingo, na capela local, no final da qual lhe seriam comunicadas pelo chefe da tropa (formada por soldados holandeses e índios tapuias), chegada ao povoado, as últimas determinações das autoridades. Durante a celebração, a capela foi cercada, as portas fechadas e iniciou-se o massacre, vitimando 70 pessoas, inclusive crianças. Três meses depois, outras 80 tiveram igual destino, em Uruaçu, às margens do rio Potengi.


As duas chacinas teriam sido instigadas por um mercenário alemão, contratado pela Companhia das Índias Ocidentais (como era comum na época) para exigir de donos de engenho e fornecedores, a cobrança de pagamentos de empréstimos concedidos pela Companhia. À ação agregou-se o elemento religioso, numa época em que católicos e protestantes se matavam, mutuamente, em nome de suas respectivas fés.


A essa altura, o príncipe Maurício de Nassau, contratado pela Companhia para governar as terras conquistadas, a partir de Recife, já fazia um ano que tinha sido chamado de volta à Europa, por investir em obras de engenharia e em cultura, na cidade, diminuindo o lucro dos acionistas. Seu governo era tolerante, no campo religioso, permitindo a liberdade de culto.


Com sua saída, prevaleceu apenas a ideia de arrancar o máximo possível de lucros da população. Foi quando o calvinismo foi usado como ideologia religiosa para ocultar interesses inconfessáveis contra recalcitrantes. Manipulação não tão distante da que se verifica hoje, tanto no uso da política, como das religiões para fins bem mais lucrativos. Que a memória do crime inominável cometido contra os inocentes de Cunhaú e Uruaçú sirva de alerta às pessoas de boa fé sobre o quanto o ódio e a intolerância sabem se disfarçar de causa nobre.

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