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Edilberto Carlos Pontes Lima: "O direito de secessão"
Opinião

Edilberto Carlos Pontes Lima: "O direito de secessão"

Nos Estados Unidos, debate-se intensamente se tal possibilidade ainda está em aberto
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O recente referendo na Catalunha pela separação da Espanha fez ressurgir um antigo debate entre os estudiosos do federalismo, que é o direto de secessão. No Brasil, a Constituição veda expressamente. Aqui, temos uma união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal. Há previsão de intervenção federal para manter a integridade do território nacional.


Nos Estados Unidos, que já passaram no século XIX pela famosa Guerra da Secessão, debate-se intensamente se tal possibilidade ainda está em aberto. Os movimentos mais liberais do país defendem que a hipótese não pode ser descartada e é uma das manifestações dos princípios da liberdade e da autodeterminação, tão caros àquele país. Há, no entanto, dispositivos constitucionais que impedem os Estados federados de firmarem tratados e alianças com outros países (Article I, Section 10).


No Canadá, os movimentos separatistas são significativos. Já houve duas consultas populares sobre a separação, em 1980 e 1995, e em ambas a população de Quebec optou pela permanência na federação. A Suprema Corte do Canadá foi chamada a se pronunciar sobre a constitucionalidade da separação e se estaria em consonância com o direito internacional. A instituição reconheceu que o Canadá não é indivisível e que se uma maioria clara de Quebec insistir na separação, o restante do país terá que negociar os termos do processo como se fora uma emenda à Constituição. Não é um ato unilateral, porque os termos devem ser negociados, interpretando-se que uma separação unilateral violaria a Constituição canadense e as leis internacionais.


Esse é um ponto com particular relevância para descaracterizar a União Europeia como uma federação. O artigo 50 do Tratado de Lisboa prevê expressamente a possibilidade de saída de qualquer Estado da União. A saída do Reino Unido (Brexit) fundamenta-se nesse dispositivo, tendo sido decidida de acordo com regras constitucionais internas, independentemente da vontade do restante da União Europeia. Numa federação clássica, embora haja possibilidade em alguns modelos, a secessão será aplicável em situações muito restritas, sujeitas a complexas negociações com o restante da federação.


Em todo caso, o debate é salutar e funciona como alerta de que federações devem preservar a autonomia e a liberdade de conformação das unidades federadas. A infantilização dos Estados-membros, que supostamente não teriam capacidade e maturidade de fazer suas próprias escolhas, é um mal a ser combatido com vigor. É um ovo da serpente de movimentos separatistas.

 

Edilberto Carlos Pontes Lima

pontes.lima@uol.com.br

Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e doutor em Economia (UnB);

presidente do TCE Ceará

 

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