Uma delas é a invisibilidade urbanística. Existem porções da cidade que são espaços opacos, onde o controle urbanístico não se aplica porque nem se sabe de que forma a legislação incide sobre aquele território. Lutamos pela preservação ambiental dos espaços valorizados da cidade, e esquecemos que, na periferia, as margens das lagoas legalmente protegidas sofrem um processo de ocupação continuada e invisível à opinião pública. Moradores dos espaços opacos têm dificuldades de comprovar endereço, não porque não adquiriram suas casas de forma legal, mas porque não possuem rua, bairro ou CEP.
Já fui a conjunto habitacional com mais de mil unidades em que o Correio não entrava porque os edifícios não tinham numeração. Fortaleza cresce de uma forma descontrolada: a prefeitura chega a pavimentar uma rua, sem construir uma denominação oficial compatível com os cadastros das companhias de serviços urbanos. Os moradores invisíveis ficam sujeitos a uma lógica de clientelismo para ter acesso aos serviços, pois não possuem “cidadania urbanística”.
Temos discutido a necessidade de aprimorar os registros individuais de propriedade, porém desconsideramos completamente que não adianta “dar o papel da casa” sem registrar a cidade em que ela está inserida. As geotecnologias são uma enorme oportunidade para combater a invisibilidade urbanística de forma integrada e estruturada. Porém, para o Estado Brasileiro, parece ser funcional que este problema permaneça de difícil mensuração: a gente não prioriza aquilo que a gente não vê. E o nosso déficit de urbanização só tende a continuar...
Clarissa Freitas
urbcla@gmail.comProfessora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC; possui pós-doutorado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade de Illinois Urbana-Champaign (EUA)