Ainda sem acreditar que em pleno século XXI um discurso que patologiza a sexualidade possa tomar proporções tão absurdas como as que circularam esses dias; sem acreditar na decisão de um juiz que autoriza psicólogos a tratar (?) homossexuais e também ainda pasmada com a hipocrisia de um movimento que conseguiu o fechamento da Mostra QueerMuseum no espaço Santander Cultural em Porto Alegre, fui, mais uma vez, à exposição Antonio Bandeira: um abstracionista amigo da vida, no Espaço Cultural da Unifor.
O que seria da vida sem a arte? Arte que por essência é transgressora, nos lança para mundos outros, que é um testemunho do inconsciente, como dizia Freud. É graças à arte que podemos estender e redefinir a realidade, como muito bem pontuou Warhol. Arte que não é reduzível a nenhuma explicação daí que a explicação do visível decreta a sua morte.
Se o estranho é evitado, certamente é porque desperta e sacode o que é familiar. E toda obra de arte tem esse compromisso de despertar, de nos tirar da tranquilidade sem graça do dia a dia. De nos tirar do vazio do real. De ser um desvio com relação à realidade e à censura.
De causar questionamentos.
O que essas cenas do nosso cotidiano explicitam (tratamento para homossexuais e o fechamento de uma exposição) é um discurso de ódio. De ódio às diferenças. E esse dado, corriqueiro nos tempos em que vivemos, não é mais novidade. E ai uma questão para pensarmos: se não for o caminho do diálogo, da reflexão acerca dos nossos sistemas de valores, do que sustenta (?) o laço social na atualidade, não há caminho possível. E a arte faz isso assim como a psicanálise: transforma nossos impulsos mais primitivos, sexuais e agressivos em
formas simbólicas.
Sabrina Matos
sabrinamatos@unifor.br
Psicóloga e psicanalista; professor da Universidade de Fortaleza (Unifor)