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Luciano Maia: "A palavra companheiro: origens e desvios"
Opinião

Luciano Maia: "A palavra companheiro: origens e desvios"

A palavra, em sua origem pagã ou cristã, está carregada de um conteúdo humano e espiritualmente elevado
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O termo companheiro, em nossa língua, como nas demais línguas românicas, derivado latim cumpanis (com pão), de onde o italiano compagno, o francês compagnon, o castelhano compañero, o catalão company etc.

 

A origem da palavra é cristã? Muitos etimologistas a tomam como advinda do significado da última ceia de Jesus com os doze apóstolos. A Igreja (a que veio em lugar do Reino anunciado na antiga profecia) teria açambarcado o termo? Ou o seu significado primordial é tão humano, tão fulcralmente inerente ao nosso ser, que a sua origem encontra-se bem antes da chamada Congregatio de propaganda fide, quando a Igreja Católica, na Idade Média, ampliou e praticamente impôs os seus dogmas e cânones? Inclino-me mais para esta tendência: a dos etimologistas que fazem remontar a origem de companheiro à transumância (de trans humus, mudar de terra) dos pastores, isso muito antes da nossa era, no alvor da civilização, em que o seu significado primordial está ligado à necessidade de compartilhamento da comida (pão é palavra-símbolo), em vista das longas viagens sem o aprovisionamento suficiente de gêneros para o sustento. Seja como for, a palavra, em sua origem pagã ou cristã, está carregada de um conteúdo muito humano e espiritualmente elevado.


Chegando ao século XVIII, à época da revolução francesa, com a histórica Queda da Bastilha, difunde-se o uso de denominações igualitárias, com o deliberado intuito da abolição de termos concernentes à nobreza, como Madame (Senhora), Monsieur (Senhor). Passa a ser de bom tom ser chamado citoyen (cidadão) ou, melhor ainda, compagnon (companheiro). O próprio Rei Luís XVI gostava de ser chamado de citoyen Louis Capet! A partir daí, o termo companheiro começa a ganhar foros políticos.


No Brasil, a partir dos anos sessenta do século passado, com o triunfo da revolução cubana, cujos líderes preferiam compañero a camarada (termo de origem espanhola, ligado à caserna), a palavra foi cada vez mais utilizada como sinônimo de correligionário político, podendo dizer-se que houve um outro açambarcamento da palavra. Na verdade, a palavra companheiro nunca se aplicará de forma justa aos seguidores de um partido. Outra palavra, de origem espanhola, compinche, em nossa língua compincha, é mais adequada a quadros partidários, por tudo quanto sabemos.


E quanto a camarada? Palavra de origem militar, também do espanhol. Primordialmente, era o militar que dividia com outros o quarto, a câmara. Trataremos dela, proximamente.

 

Luciano Maia

memoria-das-aguas@uol.com.br

Membro da Academia Cearense de Letras

 

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