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José Flávio Sombra Saraiva: "Que fale a boa loucura"
Opinião

José Flávio Sombra Saraiva: "Que fale a boa loucura"

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Erasmo de Roterdã saudara o seu amigo Thomas More por um panfleto no início do século 16, nos tempos do Renascimento Cultural europeu e da formação dos Estados nacionais. Erasmo se dirigiu a Thomas More em escrita datada e enviada a More no dia 9 de junho de 1508, ao regressar Erasmo da Itália para sua querida Inglaterra. Ali nasciam as instituições políticas que hoje temos na democracia desejada para o Brasil. Mas ainda estamos muito longe desse patamar democrático.

Escrevera Erasmo no seu estudo Elogia da Loucura acerca de muitas coisas, até acerca da loucura que a vida traz para a existência de um protetorado ou um país nascente. Dizia o grande renascentista que, “para não perder em conversas banais, estranhas às musas, o tempo que tinha de passar a cavalo, preferi recordar alguns pontos dos estudos que não são comuns e lembrar aos bons amigos de quem me encontrava separado”.


Foi aí que nasceu o clássico estudo acerca da loucura do viver e do não viver. Erasmo fala da boa loucura: “os mortais têm a meu respeito opiniões díspares, e não ignoro o mal que se ouve dizer da loucura, mesmo entre os loucos”. Mas há também a terrível loucura, como lembra Erasmo. Bandos de loucos estão brincando com o Brasil, na quadra histórica negativa da formação do Brasil moderno.


Sigo Erasmo em seu LXVI capítulo acerca do amor e a loucura positiva para o seu país: pois “existem também paixões médias, quase naturais, tais como o amor da pátria, o amor para com os filhos, os pais, os amigos. O vulgo aceita-as; mas as pessoas piedosas esforçam-se por desenraizá-las do seu coração ou por erguê-las à mais elevada região do espírito”.


O retrato do Brasil de hoje é um Erasmo desanimado. No Brasil de hoje não há a loucura política positiva para a valorização da polis ensejada por Erasmo de Roterdã. No Brasil que temos, o que se vê é o canalhismo político de personagens sem respeito aos cidadãos e ao país no seu conjunto. Nesses dias, em lugar de estarmos a organizar os dois séculos de autonomia brasileira, a completar o segundo século do Brasil no ano de 2022, estamos em crise gestada pela chamada política profissional e empresas cretinas brasileiras.


Brasileiros de boa-fé estão cercados de quadrilhas políticas que atuam dentro das legendas e que tomaram o País de assalto. As organizações criminosas se instalaram nos palácios nacionais de Brasília bem como nos Estados federativos. O mais visível, como no caso do bilionário esquema de corrupção na Petrobras, institucionalizou-se na ladroagem na máquina pública. São necessárias mudanças urgentes: o voto distrital puro, o recall das excelências, o fim do voto obrigatório e a proibição de uso de dinheiro público pelos partidos e de propaganda eleitoral na mídia privada. Essa seria a boa loucura da polis.


Saudades das boas loucuras de Erasmo há cinco séculos! Aqui não frutificam essas loucuras do bem!

 

José Flávio Sombra Saraiva

jfsombrasaraiva@gmail.com

PhD, The University of Birmingham, Inglaterra, e Professor Titular da UnB

 

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