Em muitas conversas sobre o uso dos de espaços públicos e políticas públicas, deparamos com interessantes paradoxos. Existe, sim, um consenso de que os espaços devem ser democráticos e acolhedores, mas o que realizamos no fim são comportamentos segredadores que deixam muito claro nossos limites quanto à tolerância.

Em várias cidades do mundo, os mobiliários urbanos têm sido adornados por peças de ferro, superfícies pontiagudas que são justificadas para evitar a danificação por skates, patins etc.

Mas, na verdade, são elaborados para evitar que moradores de rua durmam nos bancos ou paradas de ônibus. Quase todas as pessoas que ouvi até hoje admitem o incômodo com moradores de rua. A justificativa é que se sentem ameaçadas, inseguras, e já ouvi até que os moradores se apossam de algo que é público. Minha reflexão foi: o que o incomoda é o “alguém deitado no banco” (pode ser um bonito jovem lendo um livro?) ou a espaçosa presença de um morador de rua? O fato é que muitos não querem que eles existam.

Nossas praças não são lugares para “vagabundos”.

Eu também não quero ver moradores de ruas. Quero ver as pessoas abrigadas em lares, com famílias, vivendo com dignidade, mas tenho de aceitar a sua condição e a sua presença como parte da mazela social ao qual estou intimamente ligada. Se não posso resolver o seu problema, dividir e ceder o “meu” espaço no banco é o mínimo que posso ofertar.

Nesse contexto, compreendo que meu papel como cidadã e projetista de espaços públicos é não aderir a essa política higienista de tanger o não desejado como mendigos, viciados, pichos, como solução para revitalização de espaços públicos. As soluções devem surgir partindo do princípio de aceitação do outro, compreendendo a raiz da problemática, que é a discrepância social das nossas cidades. Enquanto não solucionamos, sejamos mais gentis em nossa arquitetura urbana com aqueles que vivem em situações tão vulneráveis.

Laura Rios

laura@creatorearquitetura.com.br

Arquiteta e coidealizadora do projeto Estar Urbano