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Isabel Lustosa: "O Brasil e a decomposição do mundo moderno"
Opinião

Isabel Lustosa: "O Brasil e a decomposição do mundo moderno"

Com um peteleco, um governo ilegítimo promoveu, em pouco mais de um ano, a destruição dos direitos estabelecidos pela CLT
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As primeiras décadas do terceiro milênio se passam em meio a uma crise dos valores que até pouco tempo orientavam a vida da humanidade. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, a consolidação do que se estabeleceu como Direitos do Homem e que deram origem às constituições que regem os países no mundo moderno, mesmo que sempre deturpados, estão virando letra morta diante do avanço das grandes corporações. A própria ideia de Estado Nacional em um mundo que, por conta da globalização, acabou por irmanar a classe trabalhadora na perda de seus direitos, vem sendo abalada. Empregos regidos por leis que anulam todas as conquistas do século XX são a regra tanto aqui quanto nos países ricos.

 

Qualquer brasileiro que viu o filme “Eu, Daniel Blake”, reconheceu ali inúmeros elementos de sua própria realidade. Um sistema kafkiano feito para desestimular a reivindicação, para anular direitos adquiridos, para descartar todo aquele que não for funcional: trabalhadores aposentados, viúvas e mães solteiras com filhos pequenos e doentes mesmo que estejam em dia com seus impostos. Esses impostos que hoje vão alimentar uma engrenagem misteriosa que já não é mais o Estado e, sim, a corporação internacional com sede em algum lugar distante que agora rege as previdências privadas e cujos funcionários são treinados para não estabelecer qualquer empatia com a clientela.


O que o filme nos revela é que o que vivemos aqui agora é apenas a implementação de um modelo que já vem sendo experimentado lá fora. Entre nós, no entanto, como os direitos trabalhistas são relativamente recentes e uma ampla rede de amparo social aos desvalidos é coisa mais recente ainda, o efeito será mais devastador. Enquanto na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos uma longa tradição de direitos sociais ainda funciona como força protetora para a população, aqui, com um peteleco um governo ilegítimo promoveu, em pouco mais de um ano, a destruição dos direitos trabalhistas estabelecidos pela CLT. Sem qualquer compromisso com os destinos do País, esse mesmo governo promove o desmonte do Estado em favor dos interesses privatistas com a destruição das universidades e escolas públicas; do sistema único de saúde e dos programas sociais. Ao mesmo tempo em que vende a estrangeiros aquele que seria o nosso passaporte para o futuro: o pré-sal.


Só uma ação efetiva de todos os brasileiros em defesa de seu patrimônio e de seus direitos pode reverter esse quadro.

 

Isabel Lustosa

Pesquisadora titular da Fundação Casa de Rui Barbosa e doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro; palestrante do Seminário Futura Trends 2017

 

 

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