Logo O POVO+
Ricardo Alexandre Paiva: Estado e mercado imobiliário: as contradições da "outorga onerosa"
Opinião

Ricardo Alexandre Paiva: Estado e mercado imobiliário: as contradições da "outorga onerosa"

Edição Impressa
Tipo Notícia Por

Ricardo Alexandre Paiva

paiva_ricardoyahoo.com.br

Arquiteto e urbanista, Professor Adjunto do Curso de Arquitetura e Urbanismo e Coordenador do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC


Já é de domínio público e circula nas redes sociais a construção do mais alto “arranha-céu” no skyline de Fortaleza, alardeado como um novo ícone arquitetônico, manifesto no luxo, ousadia das formas e na sua altura (150 metros). Mas qual o instrumento legal que permite a construção desse edifício tão excepcional? Trata-se da “Outorga Onerosa de Alteração do Uso”, dispositivo previsto no Plano Diretor Participativo de Fortaleza, que possibilita a flexibilização dos usos do solo e dos parâmetros urbanísticos mediante uma contrapartida pública que pode ser aplicada em algumas finalidades específicas.


Mas qual é a contrapartida pública? Ela ocorre conforme está previsto na lei? Se ela existe, é preciso conferir se não estaria sendo usada em benefício da valorização imobiliária do próprio empreendimento. Ainda que estas aprovações estejam subordinadas à Comissão Permanente do Plano Diretor, é preciso verificar quem efetivamente se beneficia e decide como estas compensações e recursos serão investidos, o nível de participação democrática dos diversos agentes, bem como se está sendo cumprida a função social da propriedade. Não se trata de cerceamento do direito à propriedade privada, mas questionar se estes processos urbanos, chancelados pelo Estado Neoliberal estão de acordo com o que rege o Estatuto da Cidade.


A condução das parcerias entre o Estado e o mercado tem apontado para um modo de produção do espaço urbano em que a dimensão social e espacial do privado prevalece sobre o público. A expressão mais eloquente desse processo é uma cidade construída e limitada aos parâmetros urbanísticos impostos à unidade mínima do lote (representação por excelência da propriedade privada). Somem-se a isto as intervenções pontuais do poder público em localizações estratégicas, ratificando o papel do espaço urbano como reprodutor do capital imobiliário e aprofundando o problemático dualismo entre a cidade formal e a informal, as duas faces de uma mesma realidade socioespacial, pois suas consequências atingem indistintamente toda a população urbana.


Ao que tudo indica, a “outorga onerosa” funda um novo ciclo no mercado imobiliário em Fortaleza com a valorização excessivo dos terrenos, ameaçando a permanência de outras edificações, inclusive de valor patrimonial, deixando em seu rastro a destruição do passado, como ocorreu com a demolição do emblemático Hotel Esplanada. Assim, é urgente refletir sobre as contradições da outorga onerosa, sob pena de investir contra o “direito à cidade”.

 

O que você achou desse conteúdo?