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Angela Gutiérrez: "A Casa da Mamãe"
Opinião

Angela Gutiérrez: "A Casa da Mamãe"

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Mais dia menos dia, terei que entrar na casa da Mamãe. Ainda não fui a esse encontro doloroso com sua ausência, mas o vazio agudo que me acorda todas as noites já anuncia a dor que sentirei ao penetrar em sua casa-vida, que, no entanto, não encontrarei totalmente despida da presença de sua dona. Respirarei um ar suave em seu quarto, ao olhar a cama que compartilhou com Papai por tantos anos, a penteadeira que ainda exibe as lavandas que seu amado usava, e Mamãe deixou que ali permanecessem como a esperar que o habitante de nossa saudade retornasse de sua viagem ao Reino da Luz Eterna. A dois passos do quarto, no jasmineiro que conhecia o calendário do casal e florescia em suas festas, ali sentirei minha mãe no perfume das florezinhas.

No pátio que circunda o jasmineiro, e onde se reunia a família, como não recordar as palavras ternas que, no aniversário de meu marido, há dez anos, Mamãe lhe escreveu: “Hoje passamos para suas mãos um jarro chinês, lembrança de nossos antepassados. Ele, em vez de flores, vai repleto da nossa amizade, do nosso carinho e da nossa gratidão e lhe fará lembrar a mansão das seis palmeiras, das festinhas de aniversário, do mês de Maria, do Natal, quando meu amado Luciano, com sua voz bem timbrada e doce, agradecia e pedia as graças à Virgem Mãe de Deus”.


Sei que não poderei conter as lágrimas ao ver a cadeira de balanço, de espaldar alto, em que Mamãe descansava a cabeça habitada por sonhos e lembranças, cada vez mais por lembranças, que seus sonhos, apesar de todo amor à vida que guardava, eram, sobretudo, os de reencontrar Papai e penso que já pressentia que esse momento vinha chegando.


Dizem que os anjos falam pelo boca das criancinhas. Ao saber que a bisavó fora para o Céu, Alícia quis ver a Meinha. Sua mãe explicou-lhe que isso não seria possível e a menina de quatro anos ficou calada. Mais tarde, revelou aos pais: “Girei minha varinha de condão, voei para o Céu e vi a Meinha com o Vovô Luciano e eles se abraçavam e beijavam”.


Que os anjos digam: Amém.


Angela Gutiérrez

angela_gutierrez@uol.com.br

Filha de Angela Laís Pompeu Rossas Mota

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