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Luciano Maia: "Poetas singulares"
Opinião

Luciano Maia: "Poetas singulares"

Naquela ocasião não ficaram estabelecidos os critérios que determi-nariam poder um poeta ser considerado singular
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Faz algum tempo, o poeta Jorge Tufic e eu, em conversa sobre as coisas da literatura brasileira, falávamos acerca dos tais poetas singulares. O vate fenício indicou, de pronto, um nome acima de qualquer dúvida, sendo, segundo fez questão de enfatizar, absolutamente singular: Augusto dos Anjos (1884-1914). Naquela ocasião não ficaram definitivamente estabelecidos os critérios que determinariam poder um poeta ser considerado singular. Concordamos, então, num ponto: se, ao se pronunciar um texto qualquer de um poema, o ouvinte identificar de pronto a sua autoria, sem conhecimento prévio do texto, então, pimba!, trata-se de um poeta singular. Então, a singularidade residiria no uso do vocabulário, na abordagem do tema e na tensão do discurso? Talvez. O certo é que os versos seguintes: Tome, doutor, esta tesoura e corte / minha singularíssima pessoa ou Tu não és minha mãe, vela nefasta! (referindo-se à Natureza) parecem ser como um indez da obra de Augusto dos Anjos.

 

E Castro Alves (1847-1871)? Ponderamos: romântico, ultrapassa os limites  dessa estética, sendo possuidor de uma verve rara, de uma eloquência ímpar e de uma convicção muito forte, sem aludirmos às imagens personalíssimas de alguns poemas seus: Eu sinto em mim o borbulhar do gênio. Castro Alves, também poeta singular.


Raul Bopp (1898-1984) em sua obra Cobra Norato revela-se, ele também, singular: Vejamos isto: Quero levar minha noiva / quero estarzinho com ela / numa casa de morar / com porta azul pequininha / pintada a lápis de cor / quero sentir a quentura / do seu corpo de vaivém / querzinho de ficar junto / quando a gente quer bem-bem.


E quanto a Manoel de Barros, ah, este é intensamente singular. A abordagem que faz dos temas (sim, no plural) é única. Parece que o poeta desconfia das “sinceridades” com a que de costume fazem os que tratam da questão poética. Cabe citarmos esta passagem: 41. Palavras / Gosto de brincar com elas. / Tenho preguiça de ser sério. Mais esta: O menino sentenciou: / Se o Nada desaparecer a poesia acaba. / E se internou na própria casaca / ao jeito que o jabuti se interna. Esta última citação alude à “Dona Lógica da Razão” que, segundo este singular poeta, “bosteia” contra a poesia...


Poetas singulares... Mais alguns há na literatura brasileira, certamente, mormente se levarmos em conta os poetas populares do Nordeste. É tema que, comportando muitas relativizações, merece ser estudado.

 

Luciano Maia

memoria-das-aguas@uol.com.br

Membro da Academia Cearense de Letras

 

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